E nessa loucura

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E nessa loucura

É de Lira, como de Bolsonaro, a responsabilidade de continuarmos a viver nessa loucura

Elena Landau*, O Estado de S.Paulo
17 de setembro de 2021

Brasil depende do presidente da Câmara para superar a gravíssima crise econômica, social, política e institucional que está vivendo

Atletas russos, que foram liberados para competir representando o Comitê Olímpico de seu país, recebiam suas medalhas de ouro ao som do Concerto para Piano e Orquestra n.º 1, de Tchaikovsky. O hino nacional estava proibido, porque a Rússia tinha sido banida dos jogos.

No Twitter, apareceu uma pesquisa para saber qual música os brasileiros escolheriam para nos representar na mesma situação. Aquarela do Brasil foi a mais votada, seguida de perto por Evidências. E nessa loucura… vou negando as aparências, disfarçando as evidências. Música romântica, mas serve como lema deste governo.

O negacionismo atingiu outra dimensão. Antes usado para qualificar o desprezo pela ciência na pandemia, hoje domina o discurso oficial.

Foi disfarçando evidências que entramos nesta crise hídrica tão despreparados. Diz o ministro Bento de Albuquerque que somos “comentaristas de videotape”.
Está errado, pois não faltou aviso. Com muita antecedência, especialistas apontaram para o risco hidrológico. Foram ignorados (eu me lembrei do Pessimildo, dos tempos de Dilma; qualquer alerta para problemas à frente era palavra de gente de pouca fé. Deu no que deu).

O aumento das tarifas de energia e a inflação decorrente refletem a incompetência. Não é só a falta de chuva. A hidrologia é afetada também pelo negacionismo criminoso na questão ambiental.

Guedes diz que o vaivém de suas políticas não é falta de plano, pois “há um programa de equilíbrio geral, nada é improvisado”. Ao mesmo tempo, apela aos meteoros e a uma grande conspiração para explicar os precatórios. Atribui o resultado negativo do PIB trimestral ao arredondamento de porcentuais. Não fosse isso, estaríamos decolando e surpreendendo o mundo. Chega de mentiras, de enganar a população.

O STF tem defendido bravamente nossa democracia. Devemos a ele não estarmos vivendo, ainda, sob uma ditadura. Por outro lado, ao enterrar a Lava Jato como um todo, e não só os processos de Curitiba, deixou sem respostas as evidências de um assalto às estatais. Petrolão nunca existiu e Pasadena foi um excelente negócio para a União. A devolução de parte dos recursos desviados foi um ato de caridade das empreiteiras.

Isso não incomoda o presidente, eleito com a bandeira do combate à corrupção. A ele só importa garantir um golpe eleitoral, que o leve ao segundo mandato, e, claro, evitar que os inquéritos das fake news e da rachadinha cheguem aos seus filhos. Não é à toa que os ministros Barroso e Moraes são seus alvos.
Faço tipo, falo coisas que eu não sou, mas depois eu nego também se encaixa perfeitamente. A carta de Bolsonaro, mesmo falsa, tranquilizou nossos congressistas.

Ao Centrão, e a boa parte dos parlamentares, é muito conveniente um governo de joelhos. A cada votação, um pouquinho mais do Orçamento vai sendo abocanhado. A lista de emendas e projetos, que geram grandes distorções, é longa. Ignoram as evidências do aumento da pobreza e da desigualdade. E nem disfarçam as aparências no assalto aos cofres públicos.

É deste Congresso, e, especialmente, do presidente da Câmara, que o País depende para superar a gravíssima crise econômica, social, política e institucional que estamos vivendo. Notas de repúdio não vão tirar o País deste buraco.
Dizem que o afastamento de um presidente precisa mais do que razões jurídicas.

Só acontece com apoio das ruas, afirmam os analistas políticos. E, após as manifestações de 12 de setembro, foram rápidos em enterrar o impeachment. Em uma semana, o jogo virou. Um presidente encurralado ressuscitou como um candidato possível. Discordo.

Essa foi a primeira manifestação que uniu grupos distintos, e pode ser só o começo. Outras já estão programadas. Bolsonaro praticamente percorreu a lista de crimes de responsabilidade previstos na Constituição, que não estão lá apenas para exercícios teóricos.

É de Lira, como de Bolsonaro, a responsabilidade de continuarmos a viver nessa loucura.

Todo mundo sabe que ele não vai parar. Se perder a eleição, o que é provável, diz que só sai morto, preso ou com vitória. A segunda opção é a esperança de muitos.
Somos governados por esta caricatura de ditador que segue com ameaças cotidianas às instituições democráticas. O golpe vem sendo anunciado e construído há meses. Não dá para negar as evidências.


*ELENA LANDAU É ECONOMISTA E ADVOGADA

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