Longe da bola
Pelo que o futebol representa para o torcedor e a economia do país, deveria ser tema constante do debate político nacional
Elena Landau*, O Globo
09 de Junho de 2002
É curiosa a leitura do noticiário eleitoral nos jornais. Em tempos de Copa do Mundo, não há candidato falando em futebol. É uma pena. Pelo que o futebol representa para o torcedor e a economia do país, deveria ser tema constante do debate político nacional. Como vinha sendo até o final do ano passado.
Na esteira da aprovação da Lei Pelé, de duas CPIs no Congresso e de ações do Executivo e Ministério Público, o Brasil discutiu intensamente os rumos de seu futebol. Criou-se um consenso, escudado em pesquisas de opinião, sobre a necessidade de se reformar a estrutura pouco transparente e flexível a abusos do nosso futebol, que ameaça a manutenção de sua posição como potência mundial no esporte. Chegamos à Coréia sem me ter medo em ninguém.
As investigações das duas CPls serviram de base para a formulação de propostas concretas de mudança no Congresso. A do Senado, capitaneada pelo catarinense Geraldo Althofí, aprofundou as investigações iniciadas na CPI da Câmara e foi além. Apontou onde as reformas são inadiáveis e indicou os instrumentos legais imprescindíveis para realizá-la. Seu relatório foi aprovado por unanimidade. O consenso político em favor das mudanças surpreendeu aqueles que se escoravam na pretensa autonomia constitucional das entidades esportivas para dilapidar os clubes em gestões desastrosas ou proveito pessoal.
O relatório do senador Althoff propôs uma Lei de Responsabilidade Social que, ao invés de interferir na gestão dos clubes, transformaria o futebol profissional em atividade comercial. Desta forma, como qualquer outra atividade privada com fins lucrativos (será que existe ainda alguém que imagina que o futebol é uma atividade sem fins lucrativos?), seus dirigentes poderiam ser finalmente fiscalizados e responsabilizados judicialmente.
Infelizmente, nada aconteceu. No Congresso, da mesma forma como descaracterizou a Lei Pelé, a bancada da bola continua travando qualquer mudança. Desde o fim da CPI do Senado, assistimos a um aprofundamento da crise do futebol. As partidas continuam atraindo poucos torcedores, os campeonatos estaduais seguem totalmente desmoralizados. O maior desafio hoje é encontrar um torcedor que saiba o dia do próximo jogo do seu time ou qual foi o resultado do último clássico. Clássico? O último jogo do Flamengo contra o Vasco, as duas maiores torcidas do Rio, não recebeu nenhum destaque no noticiário e levou apenas uma penca de torcedores ao Maracanã.
O país já perdeu muito com esse retrocesso. Sumiram investimentos no setor e com eles os empregos de uma indústria que poderia ser muito maior e contribuir de modo bem mais decisivo na economia do país. Estamos chutando para fora na cara do gol, deixando passar a oportunidade de trazer de volta o centro do futebol mundial para o Brasil; e isso é grave. O ídolo hoje não é só o Rivaldo, é o Rivaldo com a camisa do Barcelona. Se continuarem as coisas como estão, daqui a pouco vai ter garoto no interior de Mato Grosso disputando a tapa a camisa do Real Madrid e se identificando não apenas com Roberto Carlos, mas com uma legião de estrangeiros como Figo e Zidane.
Mas ainda há tempo para virar o jogo. Se no Congresso alguns representantes armaram um ferrolho contra estas transformações inadiáveis, o governo tem condições de mudar de tática. Basta abandonar a ideia de enviar a Lei de Responsabilidade Social do futebol como projeto de lei e transformá-la em Medida Provisória. MPs carregam o estigma de serem entulhos autoritários, e a sociedade brasíleira já deu mostras que está cansada delas. Mas também está descrente quanto ao futuro do futebol brasileiro e cansada de levar gol contra.
Nesse contexto, acelerar a aprovação e aplicação da Lei de Responsabilidade seria, antes de tudo um considerável avanço. A ela, certamente, não faltaria apoio popular. Com uma MP que regulamente o futebol, um bom calendário e uma mudança na forma de representação na CBF, o futebol tem jeito. Sobre a importância deste último tema basta lembrar que a Fifa importou a tecnologia brasileira de pulverizar votos e inchar campeonatos, e assim Blatter foi reeleito apesar da onda de denúncias contra sua administração. E não é isso que queremos para o Brasil.
Ninguém deve se enganar. O país está torcendo desesperadamente pela vitória na Ásia, mas é difícil achar qualquer um feliz com a situação do futebol brasileiro. Nenhum torcedor irá creditar uma vitória à boa administração da CBF. Ele pode ser fanático, cego de paixão, mas não é bobo.
* Elena Landau é economista