Anatel deveria repensar as regras de competição
A regra que proibia as mudanças de controle por no mínimo cinco anos não faz sentido
Elena Landau*, Valor Econômico
02 de maio de 2000
A privatização dos serviços de telecomunicações no Brasil pautou-se pela busca de dois
objetivos: universalização e competição. Para atingir o primeiro, os contratos de concessão assinados pelos novos concessionários exigiram o cumprimento de metas ambiciosas de cobertura de suas áreas de concessão, Segundo a Anatel, o Brasil dispõe hoje de 31,1 milhões de linhas de telefones fixos instaladas contra 22,1 milhões em dezembro de 1998.
Evitar a formação de monopólios ou oligopólios foi o segundo objetivo. Em tese, poderia ter sido alcançado sem vender o controle da Telebrás: bastaria permitir que outras empresas, além da estatal, explorassem também os serviços de telefonia. Entretanto, tal como ocorreu e ainda ocorre em áreas onde estatais competem diretamente com companhias privadas, tal modelo terminaria por prejudicara própria Telebrás. Primeiro, por sua incapacidade financeira de competir com as grandes empresas do setor. Segundo, por sua menor agilidade decisória resultante do engessamento imposto pela Lei de Licitações à administração das empresas públicas.
Excluída a alternativa de manutenção do controle estatal, a competição só poderia ser assegurada regionalizando a prestação de serviços, fazendo com que muitas companhias privadas competissem nos espaços antes reservados à estatal. Também com o mesmo objetivo, a modelagem de venda introduziu uma série de restrições para a participação de um mesmo grupo econômico em mais de uma empresa. A alienação do controle ocorreu em leilões sequenciais, isto é, cada consórcio que ganhasse uma região ficaria automaticamente desqualificado para as demais regiões tanto na telefonia fixa quanto na celular.
No caso da telefonia fixa, o sistema foi reagrupado em três operadoras regionais e uma operadora de longa distância. Para cada uma delas foi autorizada a operação de uma nova “empresa-espelho”. Na telefonia celular, a competição foi implementada através da cisão da telefonia celular — a Banda A— da antiga Telebrás que passou a competir com as operadoras da Banda B. Hoje 30% do mercado é servido pelas operadoras da Banda B. Nenhum outro país vem introduzindo competição dos serviços com tanta rapidez quanto o Brasil.
A competição continua com à licitação da Banda C, que deve ocorrer ainda este ano. Para 2003, está prevista a liberação total, fazendo com que a concorrência atinja sua máxima intensidade.
Se antes disto uma empresa atingir as metas previstas nos contratos de concessão, a Anatel pode autorizá-la a atuar antes de 2003 em outras regiões.
Ora, é cristalino que nada disso teria eficácia se, no dia seguinte à privatização, fusões ou alianças nos grupos controladores dos vários consórcios violassem o espírito de competição que se buscava. Para evitar esta possibilidade foi instituída uma regra que proibiu mudanças de controle pelo prazo mínimo de cinco anos.
Passados mais de dois anos da introdução da Banda B e quase dois do leilão da Telebrás, é de se perguntar se tal vedação ainda faz sentido. Em um momento inicial, a cristalização da situação
inicial teve sentido na medida em que evitava o mal maior — o conluio dos vários grupos ganhadores das licitações em prejuízo do consumidor. Hoje o padrão competitivo já está implantado e o risco que se corre, ao perpetuar a situação inicial nos grupos de controle em mercados de extraordinário dinamismo, é o de prejudicar os consumidores daqui em diante.
Muitos são os aspectos que a dinâmica dos mercados impõe considerar —fusões internacionais, a intenção de atrair novas operadoras para o sistema, com especial atenção para a licitação
da Banda C, a necessidade de capitalização de certas operadoras para continuar investindo na melhoria e ampliação dos serviços são apenas alguns exemplos.
Considere o caso de um consórcio que adquiriu o controle de uma concessionária de telefonia. Ele percebe que poderia operar com melhores indices de eficiência se dividisse o controle com um operador especializado com notória experiência. Ganhariam com isto seus acionistas e seus consumidores. Por que deveriam esperar cinco anos? Ou, então, o caso de um consórcio que ampliaria sua base de capital e, portanto, seu volume de investimento permitindo o ingresso de um novo acionista no grupo de controle. Por que se deve esperar escoar o prazo de cinco anos para que isto aconteça?
Há também o caso oposto. Imagine uma fusão ou uma troca de ações que, pela criação de um laço societário, permitisse um conluio das várias empresas que supostamente deveriam competir em preços e serviços, como se não houvesse competição e que isto acontecesse depois do prazo de cinco anos. O órgão regulamentador, em nome dos interesses dos consumidores, deveria vetar esta alteração de controle mesmo sendo atendido o prazo originalmente prescrito.
Segue-se daí que a regulamentação de serviços de telefonia deveria seguir as mesmas regras que valem para os demais setores. Se a fusão for benéfica para os consumidores, deve ser autorizada, ocorra ou não antes dos cinco anos. Senão o for, não deve ser autorizada mesmo que ocorra depois do prazo.
Talvez a própria base legal para a flexibilização já exista. A resolução 101 de fevereiro de 1999 da Anatel, que trata dos critérios para transferência de controle, é, por um lado, mais rigorosa na definição de controle do que a regra original. Mas, por outro lado, no seu artigo 7, parece permitir à Anatel autorizar transferências de controle independentemente do prazo, desde que respeitado o binômio universalização e competição. O que importa é não nos deixarmos enganar pelo falso conforto dos prazos cronológicos e concedermos legitimidade aos órgãos reguladores para que defendam o consumidor tanto antes como depois dos cinco anos.
* Elena Landau, ex-diretora de privatização do BNDES, é presidente da Elandau Consultoria Econômica