Privatização do setor elétrico: parou por quê?
Há tempo que o processo está paralisado no Brasil por impedimentos políticos
Elena Landau*, Valor Econômico
23 de fevereiro de 2001
Vamos olhar a realidade de frente: a eleição para as presidências da Câmara de Deputados e do Senado apenas tornou explícita a politização da privatização do setor elétrico. Aécio Neves reforçou sua posição contrária à venda de Furnas e até mesmo o candidato do PFL inovou renegando uma das teses mais caras ao seu partido. A mudança de comando no Congresso não muda em nada a trajetória do programa de privatização do setor elétrico.
Há muito tempo que o processo está paralisado por impedimentos políticos. PMDB, PSDB e PFL, a base do governo, são publicamente contra a venda da Eletronorte, Furnas e CHESF, respectivamente. Não vale a pena discutir os alegados motivos técnicos para essas posições, nem as soluções para cada um dos casos. O fato é que as dificuldades políticas são intransponíveis, até mesmo porque o governo não tem se empenhado muito para ganhar a batalha da mídia na defesa da privatização.
Para variar, aconteceu o de sempre: os analistas de Wall Street espernearam, o BNDES tentou explicar os impedimentos técnicos e o governo reagiu alegando que a privatização continua. Dar continuidade a um processo pressupõe que ele exista na realidade. Chega a ser divertida a explicação dos analistas para o sobe e desce das ações do setor relacionando essas oscilações ao grau de compromisso do governo com a privatização.
Compromisso, de fato, temos apenas como exemplo o Estado de São Paulo, que, não por acaso, fez a melhor reestruturação patrimonial da federação e uma promessa de venda do controle da Copel. O Sistema Eletrobrás foi incluído no Programa Nacional de Desestatização em 1995, juntamente com a Companhia Vale do Rio Doce. Estamos em 2001 e apenas a Gerasul, parte da antiga Eletrosul, teve seu controle alienado.
Nesse período, a própria Vale do Rio Doce, apesar do forte apelo ideológico e das batalhas judiciais, e todo o Sistema Telebrás foram privatizados com resultados positivos. Também foi realizada com a Petrobras a primeira grande oferta pública com sucesso utilizando o FGTS como moeda social. Fica, então, no ar, a pergunta: por que parou a privatização de um setor tão fundamental para o crescimento econômico e, ao mesmo tempo, tão carente de investimentos como o setor elétrico? Parou devido à reformulação do modelo ou às influências políticas?
Os que defendem a interrupção da privatização alegam que ela fracassou porque não gerou novos investimentos capazes de ampliar a oferta de energia. Nesse sentido, é bom lembrar que a maioria das vendas ocorreu no setor de distribuição. Iniciar o desmonte do monopólio estatal pelas distribuidoras tinha como motivação reduzir o risco de crédito das geradoras valorizando esses grandes ativos federais para uma venda posterior. Não está longe o tempo em que as concessionárias estaduais penduravam suas contas na Eletrobrás, afetando negativamente o preço de suas ações e, portanto, reduzindo o valor do patrimônio da União, isto é, o meu, seu e nosso.
Um erro comum na avaliação do programa de desestatização é acreditar que o investidor privado seja obrigado a investir. Ele o fará se os projetos forem atrativos, se houver financiamento, se as regras forem claras e permanentes e se a regulação estiver consolidada, como efetivamente ocorreu em vários setores já privatizados. Lógica que também deveria orientar os investimentos públicos.
A boa técnica de gestão não depende, ou pelo menos não deveria depender, da origem do capital. O fato de se tratar de empresas de serviço público não justifica que os investimentos devam ser feitos em condições adversas ou necessariamente pelo governo. Penso que o bem público é melhor atingido pela supervisão e regulamentação das atividades privadas em favor do consumidor, impondo modelos concorrenciais de atuação, do que pela propriedade ou monopólio público.
Em setores nos quais o capital privado tem condições de substituir o público, como é o caso do setor elétrico, deve-se entender por que os investimentos estão abaixo da expectativa em vez de se apoiar uma volta ao passado. O aumento da oferta de energia depende fundamentalmente da credibilidade dos investidores e dos financiadores nas regras, em particular, nos contratos de venda futura de energia – principal garantia exigida pelos agentes financiadores. A tentação de administrar, como no passado, os reajustes tarifários, que são a base desses contratos, deve ser afastada com firmeza. Podemos estar poupando o consumidor hoje e punindo-o no futuro com escassez de energia. A crise da Califórnia deixa como lição, entre outras, que uma distorção no sistema de preços retira sua capacidade de sinalização.
Não é claro que o consumidor, que é também contribuinte, estará melhor servido se o investimento for realizado por uma empresa estatal. Com as restrições orçamentárias hoje presentes, esse investimento só poderá ser realizado ou com déficit, isto é, inflação, ou ocupando o espaço de gastos tipicamente públicos.
Uma outra opção, que foi amplamente utilizada no Sistema Telebrás, é a diluição de capital. No fundo, esta é a sugestão política para Furnas: manter o controle estatal e vender ações pulverizadas no mercado. Os recursos assim arrecadados seriam utilizados para novos investimentos. Independentemente da solução escolhida, deve-se, antes de mais nada, assegurar que as empresas estatais obedecerão aos melhores padrões de gestão.
Hoje, com a disseminação da governança corporativa e a oportunidade criada com a formação do Novo Mercado pela Bovespa, a captação no mercado de capitais poderá ser feita com um pouco mais de segurança para os contribuintes e investidores do que já foi feita no passado. É importante também que a manutenção do controle estatal não impeça uma reformulação nos fundos de pensão, a exemplo do ocorrido nas empresas privatizadas nas quais há uma tendência de migração para o sistema de contribuição definida, e tampouco a independência na agência regulada.
De toda forma, nós estaremos pagando por essa opção. Não há almoço grátis. Basta relembrar que quando a Telebrás foi privatizada, foi vendido apenas 19% do seu capital, já que o restante foi diluído ao longo dos anos através de várias ofertas públicas – sem nenhuma resistência por parte dos críticos da privatização.
O Tesouro deixou de arrecadar mais por ocasião da venda do controle e deixou-se de investir mais em setores prioritários, já que os recursos obtidos na venda do controle da Telebrás foram utilizados em gastos correntes – saúde, educação, pessoal, previdência e outros gastos típicos de governo.
Se a batalha política está perdida, não adianta espernear ou brincar de faz de conta. É hora de se discutir o que fazer para que a escassez de energia não seja um impedimento à retomada do crescimento econômico.
* Elena Landau , economista, ex-diretora de privatização do BNDES, é presidente da Elandau Consultoria Econômica