O país do futebol

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O país do futebol

Acabo de participar de um seminário sobre futebol. Os brasileiros são os mais críticos sobre sua própria realidade

Elena Landau*, O Globo
14 de Novembro de 2003

Acabo de participar de um seminário sobre futebol na América Latina patrocinado por três universidades inglesas: Liverpool, London School e Oxford. Minha experiência é que, em seminários que envolvem países latino-americanos, os brasileiros são os mais críticos sobre sua própria realidade. Argentinos e mexicanos, por exemplo, são mais condescendentes com o que se passa em seus países. Neste evento, no entanto, a saraivada de críticas sobre o nosso futebol não veio dos representantes brasileiros, mas dos supostos especialistas ingleses.

Para ser honesta, devo dizer que a visão negativa não era em relação ao desempenho dentro do campo, mas fora dele. O tema mais explorado foi o da corrupção no futebol brasileiro.
Nada amenizou o tom negativo das críticas. Os avanços legislativos nos governos Lula e FH não foram sequer lembrados. Ninguém elogiou o trabalho dos parlamentares que conduziram as duas CPls sobre o futebol, revelando muitas de suas piores mazelas. A corrupção no esporte existe em todo o mundo, mas isto não é desculpa para o que se passa por aqui.

O fato é que o mesmo país que maravilha o mundo com o futebol que joga dentro de campo envergonha a todos nós pelo comportamento de boa parte de seus dirigentes. O que os ingleses não perceberam é que falar mal é fácil. Difícil é descobrir como reformar essa casa sem danificar suas vigas mestras. Porque, no final das contas, o Brasil venceu cinco campeonatos mundiais e continua produzindo craques, apesar da estrutura amadora de seu futebol.

No seminário em Londres os ingleses pediram a cabeça dos dirigentes da CBF e das federações estaduais. Mas de nada adianta trocar um presidente por outro escolhido pela mesma base e pelos mesmos critérios de representação. Como se tudo se resumisse em trocar nomes, quando na verdade é preciso mudar a estrutura das entidades esportivas — começando por eliminar a imunidade que elas possuem de fato, e não de direito, pois nada tem a ver com a autonomia prevista pela Constituição brasileira.

A verdadeira reforma do futebol brasileiro tem que começar pelos clubes. Historicamente, a força do futebol brasileiro sempre esteve com os clubes. Hoje em dia, principalmente por problemas de caixa, eles cederam seu poderio político às federações e à CBF, mas continuam sendo a alma do nosso jogo. Ronaldinho não apareceu na Granja Comary, mas no campo do modestíssimo São Cristóvão. Kaká também não foi descoberto por um olheiro da CBF. Foi pacientemente criado nas divisões de base do São Paulo.

Mas nem tudo foi negativo nesse encontro. Os representantes brasileiros mostraram que está tomando corpo no Brasil uma revolução silenciosa. Alguns clubes já começaram a mudar a mentalidade na administração do esporte e no respeito ao torcedor. O segredo é a administração profissional, dando forma real ao estatuto do torcedor e à nova legislação para o futebol.

O futebol do futuro não é o dos cartolas. O Campeonato Brasileiro deste ano, por pontos corridos, permite uma boa análise do reflexo das más administrações sobre o desempenho do time.

Somos uma economia em desenvolvimento, com indicadores econômicos muitas vezes inferiores aos europeus, sendo impossível termos fora de campo um futebol tão rico quanto o europeu. O fortalecimento financeiro dos clubes brasileiros levará tempo, o que toma ainda mais trágica a oportunidade que foi perdida com as experiências frustradas de parcerias realizadas por aqui.

Na esteira da Lei Pelé, no final da década passada, várias parcerias foram assinadas entre clubes brasileiros e empresas especializadas em marketing esportivo. Todas deram errado porque os investidores, ao invés de implementarem mudanças na gestão dos clubes, figuraram apenas como sócios passivos. Trouxeram recursos, e não experiência administrativa, e nada fizeram para mudar o estilo de gestão. O dinheiro acabou, e hoje a crise financeira destes clubes é idêntica, quando não mais grave, àquela enfrentada pelos que não conseguiram atrair investimento algum.

A diferença, agora, é que pode haver bem menos dinheiro, mas há muito mais determinação e capacidade para mudar a gestão do nosso futebol, para torná-la mais transparente e profissional, à altura da excelência que o Brasil demonstra jogando o que, um dia, foi um esporte bretão.

* Elena Landau é economista


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