Lições para o programa fundamental

Lições para o programa fundamental

A chegada de um novo ano é uma ocasião para um balanço geral. Hora, portanto, de examinar a evolução do processo de privatização em 1994

Elena Landau*, Jornal do Brasil
1º de janeiro de 1995

A chegada de um novo ano – em especial o próximo, quando se inicia um novo governo – é tradicionalmente uma época de avaliação de desempenho, acertos e falhas, a ocasião para um balanço geral. Hora, portanto, de examinar a evolução do processo de privatização em 1994.

O Programa Nacional de Desestatização iniciou o ano com um cronograma de leilões bastante ambicioso, prevendo a realização de 37 leilões (em 1991 foram realizados apenas 4, em 92 mais 14 e em 1993 outros 4). O programa de trabalho para 1994 previa a finalização da privatização de setores de fertilizantes e petroquímico e o início da privatização de serviços com a venda das empresas de distribuição de energia elétrica p Light e Escelsa – e da RFFSA – Rede Ferroviária Federal S.A. Estimativas preliminares apontavam para uma arrecadação de cerca de US$ 5 bilhões no ano em curso, sendo mais da metade gerados pela venda da Light.

Infelizmente, o resultado final aquém do previsto, com a realização de 8 leilões, apenas. Nem por isso nossa percepção sobre o desempenho do PND em 1994 deixa de ser bastante positiva. A privatização no Brasil é frequentemente avalizada pela quantidade de leilões realizados em determinado período, o que para o ano de 1994 leva à inevitável conclusão de que o programa perdeu ímpeto ou, até mesmo, que sofreu interrupção. Um exemplo desta visão seria interpretar que o leilão da Embraer, ocorrido neste final de ano, significou a “retomada” do programa.

Este tipo de avaliação – simplista e equivocada – não leva em conta os inúmeros avanços obtidos no PND em 1994. Mais importante do que o número absoluto de leilões são o volume de arrecadação em moeda corrente e seu consequente impacto fiscal, a rede das resistências ideológicas à privatização – que passou a fazer parte do programa econômico do novo governo integrando hoje a agenda da maioria da sociedade – a democratização do acesso ao PND, a amplitude da distribuição de ações, as novas formas bastante inovadoras nas ofertas públicas de ações, etc. Ao se examinar o desempenho recente do PND verifica-se, claramente, que o ano de 1994 representa uma mudança significativa e positiva nas características do Programa, como discutiremos a seguir.

Existe hoje uma grande expectativa de que o programa de privatização seja agilizado. Neste sentido, é importante notar que várias iniciativas nesta direção já foram adotadas este ano através do aprimoramento da legislação, destacando-se:

· Estabelecimento de novos procedimentos mais simplificados, para avaliação das participações minoritárias da União e de empresas com cotação na Bolsa;

· Introdução de vinculação administrativa do PND ao Ministério da Fazenda para maior controle dos atos de sociedades incluídas no programa, assim como da exigência de que qualquer iniciativa que tenha impacto sobre patrimônio de empresas controladas direta ou indiretamente pela União seja submetida também ao MF garantindo, assim, a indispensável anuência do acionista controlador;

· A eliminação da discriminação ao capital estrangeiro, permanecendo em vigor apenas as estabelecidas pela Constituição;

· A inclusão de todas as participações minoritárias da União – num total de 306 empresas dos mais diversos setores, representando uma carteira de R$ 2 bilhões – a ser realizada totalmente em moeda corrente.

Observe-se que os R$ 2 bilhões relativos à carteira das chamadas participações minoritárias supera o tal previsto no cronograma original do Programa, excluída a Light. Em apenas 3 meses, a venda de parte dessas participações permitiu a arrecadação de R$ 332 milhões – enfatize-se, mais uma vez, em moeda corrente – equivalente a cerca de 15 Llyods ou 100 Cobras. Destaque-se, ainda, que a sistemática operacional adotada pelo PDN para alienação de participações minoritárias, recebeu da ABAMEC o prêmio de Criatividade do ano, por suas características inovadoras.

Naturalmente, aprendemos com os fracassos. As dificuldades enfrentadas para a venda do Lloyd ou da Cobra já eram esperadas e, apesar de representarem muito pouco – tanto em termos de arrecadação quanto de contribuição para a reforma do Estado – afetaram negativamente e desproporcionalmente a imagem do programa. Neste sentido, fica como lição o entendimento de que uma empresa só deve ser incluída no programa se for efetivamente “privatizável”, isto é, o PND não deve ser encarado como solução para empresas “sem solução” nos ministérios de origem.

A suspensão da venda das participações da Petroquisa no polo petroquímico da Bahia, que significava a conclusão da privatização do setor, foi mais uma frustração de 1994. No entanto, apesar de suspensos, os processos de alienação encontram-se rigorosamente prontos para realização imediata dos leilões. A Escelsa está também com o preço mínimo e modelagem de venda decididos. O processo da Light foi adiado em função da decisão do governo de separar o negócio Light do negócio Eletropaulo, por acreditar que esta decisão era a que maximizava o valor a ser arrecadado pelo Tesouro Nacional. As negociações entre duas empresas que enfrentam uma pendência judicial, foram retomadas. As discussões sobre alternativas para a separação destes “negócios” ocorreram em paralelo à discussão da modelagem para o setor elétrico.

Não se pode dizer, portanto, que o PND parou. Deve-se notar, com vistas ao futuro, que a privatização de serviços públicos é muito mais complexa do que a de setores industriais. Além da avaliação e da definição da modelagem de venda, a privatização deste tipo de empreendimento exige a prévia definição de um marco regulatório adequado e a reestruturação do poder concedente.
Mesmo com estas dificuldades, o programa arrecadou R$ 1,8 bilhão (ou cerca de US$ 2 bilhões) em 1994 – dos quais 72% em moeda corrente – aumentando sua eficiência no objetivo de redução do endividamento do setor público. Vale lembrar que o PND assumiu um compromisso com o Fundo Social de Emergência da ordem de US$ 900 milhões em moeda corrente, tendo realizado US$ 1,5 bilhão.

A destinação dos recursos da privatização também tem causado certa polêmica. Não há dúvida de que quanto maior a arrecadação em cash – e quanto maior sua utilização para o resgate de dívida pública – mais eficiente será a desestatização do ponto de vista fiscal. Assim, se os recursos forem utilizados para financiar gastos incompatíveis – como parece ser o caso do FSE, que também é uma solução temporária – a privatização termina por evitar que o governo tenha que ir ao mercado para financiar o que, por sua vez, aumentaria seu endividamento.

Outra lição positiva do ano que ora se encerra vem do processo de privatização do setor siderúrgico. O sucesso da venda de sobras dos leilões originais avaliza a estratégia adotada, já para a privatização de Escelsa, de reservar blocos de ações para oferta posterior, permitindo que o governo se beneficie da valorização que geralmente se segue à desestatização da empresa.

Os exemplos das operações da Usiminas e da Copisa comprovaram esta tese. A colocação no exterior de 16% do capital da Usiminas, remanescentes do leilão de privatização da empresa, permitiu arrecadar US$ 480 milhões. Esta primeira operação internacional no âmbito do PND foi considerada a melhor do ano pela Internacional Financing Review que a premiou como “The Deal of the Year in the Latin America”, abrindo caminho para futuras operações do mesmo tipo.

As três operações de venda de ações preferenciais da Copisa no mercado interno também foram muito bem-sucedidas, proporcionando uma arrecadação de R$ 183 milhões em moeda corrente. Destaque-se que, na última dessas operações, foi adotado, pela primeira vez no Brasil, mecanismo de formação de preço conhecido no mercado internacional como book building, que possibilita que o preço das ações capture possíveis excessos de demanda pelo ativo, o que era impossível nas tradicionais ofertas a preço fixo. Nesta operação o ágio de 9% obtido gerou um excedente na arrecadação prevista originalmente de R$ 10 milhões que representa, e vale a pena uma vez mais enfatizar, o equivalente à venda de duas Cobras.

Por fim, consideramos que a mais importante realização do PND em 1994 foi a efetiva mudança no mix de moedas utilizadas, ou seja, a proporção entre moedas de privatização e moeda corrente: 89% do recebimento em moeda corrente de todo o PND ocorreu em 1994, o que permitiu elevar a participação dos recursos em moeda corrente – de praticamente zero em 1991 a 1992 – para 18%.
O ano de 1995 trará novos desafios para o PND: ingressaremos definitivamente na área de serviços públicos. Os processos de privatização de Light, Escelsa e RFFSA, bem como a inclusão de outras empresas, representarão novos marcos para o programa. As inovações introduzidas em 1994 certamente contribuirão para que as expectativas de ampliação e agilização da privatização sejam preenchidas.


* Elena Landau é Diretora das Áreas de Desestatização e Infra-Estrutura do BNDES

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