A ordem dos fatores
Em que mundo 8 laranjas em cada 3 cestas é diferente de 3 cestas com 8 laranjas cada?
Elena Landau*, O Estado de S.Paulo
06 de dezembro de 2019
Acompanhei pelas redes a angústia de um pai inconformado com a correção do trabalho de sua filha de sete anos. A partir de uma figura, que mostrava três cestas com oito laranjas cada, os alunos deveriam achar o total de laranjas utilizando expressões matemáticas. A menina respondeu: 8+8+8=24 ou 8×3=24. Correto, não? Pois para surpresa da criança, ela perdeu pontos pela segunda resposta. Deveria ter escrito 3×8, afinal, eram 3 cestas com 8 laranjas. Pois é.
Pensei na minha mãe, apaixonada pela matemática e professora primária. Com ela aprendi a beleza dos números e a liberdade do raciocínio. Meu professor do ensino médio, Jacques, também me influenciou, seu entusiasmo pela matemática tornava o estudo mais lúdico e fácil. Nunca entendi o medo que muitos têm de lidar com números. Mãe e mestre foram determinantes para que eu cursasse a Faculdade de Matemática.
Nada deixava dona Lia mais irritada do que ouvir, de seus alunos em aulas particulares, o fatídico: “Mas meu professor não ensinou assim”. No caso dessa menina, a professora ensinou assim e errado. Pior, minou a criatividade da aluna e o prazer da descoberta que a matemática proporciona. Não é à toa que o Brasil tem vergonhosa classificação no Pisa – continuamos com indicadores abaixo de 2009, apesar do crescimento dos gastos com educação. Dois terços dos brasileiros de 15 anos sabem menos que o básico de matemática.
Tão assustador quanto o fim da propriedade comutativa da multiplicação, decretada nessa escola – privada –, foi o apoio que a professora recebeu nas redes. Independentemente da matemática, em que mundo oito laranjas em cada três cestas é diferente de três cestas com oito laranjas cada? Esse analfabetismo funcional mostra o quão despreparados estamos para enfrentar as exigências que a revolução tecnológica traz para a formação do capital humano.
Não é apenas uma tragédia social. Sem um salto na produtividade não sairemos desse crescimento medíocre, mesmo com reformas para melhorar o funcionamento do Estado. A menor participação estatal na economia resolve apenas parte da nossa ineficiência. Falta a abertura comercial mais radical, para estimular competitividade e novas práticas de gestão. Mas falta, acima de tudo, levar educação a sério. Não só porque contribui para uma economia mais produtiva, como, mais importante ainda, porque é um elemento de redução de desigualdades. É um dos mais importantes fatores de mobilidade social.
Para isso, a porta de entrada deve ser a mesma para todos, independentemente do CEP da residência, cor ou nível social. Essa sim é uma situação onde a ordem de fatores altera o produto. Se a primeira etapa já vier marcada pelas diferenças, será muito difícil corrigir mais a frente. Apesar de o País estar se conscientizando da importância do cuidado à primeira infância, continuamos muito atrasados na oferta igualitária de educação básica. Ainda existem 2 milhões de crianças sem acesso à educação, que se juntam a milhões que estão na escola, mas não aprendem.
As cotas, que vem dando resultado ao equiparar o número de matrículas nas universidades públicas de negros e pardos com brancos, não resolvem o problema na origem, nem configuram uma solução para todos. A discrepância na qualidade de ensino existe entre negros e brancos, entre pobres e ricos e também entre escolas públicas e escolas privadas, como mostra o Pisa. A urgência e o foco deveriam estar na melhora da educação na base, igualando as oportunidades de acesso a um ensino de qualidade. As cotas perderiam relevância e se tornariam uma política compensatória transitória.
A errada correção do exercício da criança mostra a importância de se investir no professor. Aprendemos mal porque ensinam mal. São os alunos do ensino médio, que tiram notas ruins no Enem, que buscam seguir a carreira do magistério, perpetuando o baixo nível de aprendizado.
Os especialistas no tema trazem muitas sugestões: estágio sob supervisão para os novos; exigência de nota mínima no Enem, ou abertura para profissionais que não cursaram pedagogia, mas têm excelência em temas específicos. Com o envelhecimento da população, a demanda por professores será menor, cria-se a oportunidade para ajustes na remuneração e valorização da carreira, que é mais do que aumento salarial. As ideias estão aí para serem estudadas e debatidas. A formação de professores e atratividade da profissão é uma das atribuições do Ministério de Educação. Mas, por lá, eles estão mais preocupados em criar um disque denúncia ideológico.
Neste governo, educação só vira manchete por conta da falta de educação do ministro.
Em tempo
O desempenho do Flamengo este ano mostra que só ajuste fiscal não é suficiente. Abertura comercial foi fundamental para aumentar a produtividade do time. Técnico estrangeiro arejou nosso futebol. CBF #ficaadica
* ELENA LANDAU É ECONOMISTA E ADVOGADA