A dor de ser alvinegra

artigos_site_no

A dor de ser alvinegra

Resisti por quase um ano à idéia de virar colunista de esporte. Talvez fosse minha desilusão com o futuro do futebol brasileiro

Elena Landau, Site no.com.br
18 de maio de 2001

Resisti por quase um ano à idéia de virar colunista de esporte. Talvez fosse minha desilusão com o futuro do futebol brasileiro, talvez um pouco de medo de fazer algo que nunca tinha feito na vida. A desilusão, do jeito que andam as coisas, provavelmente não vai acabar tão cedo. Quanto ao medo da novidade, resolvi encarar. Virei colunista.

Decisão tomada, enfrentei novo drama: que dia escrever? Não queria fazer nada na segunda-feira porque isso me obrigaria a comentar as “peladas” do domingo. Para ser sincera, sincera mesmo, a mera possibilidade de ter que me torturar encarando 90 minutos de Botafogo e Friburguense, ou Flamengo e Cabofriense, me arrepiava. Por isso, vou escrever às sextas.

No fundo, a preocupação é boba. O calendário do futebol brasileiro, constantemente retalhado e recosturado de acordo com a conveniência das televisões e os interesses da cartolagem, perdeu qualquer traço de competência e previsibilidade. Foi-se o tempo em que domingo era dia de clássico. Hoje, tudo é possível – até “clássico” na sexta-feira. E lá vou eu, quem sabe, me forçar a ver Botafogo e Friburguense.

Aliás, nessa história em torno do calendário, já faz tempo que ele é produzido sem qualquer preocupação com a presença da torcida nos estádios. Daí, soa falsa a reação negativa da cartolagem a suspensão dos jogos noturnos para racionar energia. Também acho difícil ter público em jogos vespertinos durante a semana. Tão difícil quanto tem sido ver público em jogos que começam às 9:40 da noite – horário tarde demais para quem trabalha, arriscado demais para quem não é assaltante e absolutamente sob medida para não atrapalhar a grade de programação da televisão.

Bem, não resisto. Preciso falar do Botafogo. Apesar do susto do ano passado, lá nada mudou. Na esteira da enfiada de 7 a 0 do Vasco, Carlos Augusto Montenegro, presidente do Conselho do clube, anunciou a salvação: contratar Edmundo, brindado esta semana com o título de pior jogador estrangeiro do campeonato italiano. Agora, o Fogão vai. Edmundo é velho encrenqueiro. Montenegro, na imprensa, também anda atrás de encrenca. Defende que a solução para a crise financeira do Botafogo é o calote.

O mínimo que se esperava da diretoria botafoguense, diante da crise, era uma proposta radical: transparência. O clube deveria fazer uma auditoria nas suas contas, contratar um tesoureiro profissional, mostrar aos sócios e potenciais investidores quanto gasta, quanto arrecada, quanto deve e, principalmente, se ganhou ou se perdeu com a brilhante estratégia de compra, venda e empréstimos de jogadores medíocres. De quebra, pode explicar porque o Botafogo não fez o que fez um clube como o Corinthians.

Com a mudança na Lei Pelé e nos critérios do campeonato brasileiro, os administradores do Corinthians reviram suas projeções e partiram para adaptar a operação do clube à nova realidade já no primeiro ano. A decisão mais importante foi a venda de vários jogadores (tomaram apenas o cuidado de manter o ídolo). Afinal não havia risco de cair para segunda divisão na Copa JH. O clube já vinha de grandes resultados, a torcida certamente iria compreender.

Só que torcida nunca compreende, é por definição irracional, e daí a graça do futebol. De qualquer forma, depois de invadirem o clube, afugentarem jogadores e sofrerem com uma longa seqüência de derrotas, os corintianos hoje são puro riso. O time chegou à final do campeonato paulista e está com vida financeira em dia. Enquanto isso, o Botafogo acelerou na contramão. Mesmo sem dinheiro, contratou muito e, pour cause, não trouxe nenhum jogador de expressão. Agora, contratam Artur e Wilson, duas grandes “revelações”. E os juniores do clube, que chegam pela quarta vez consecutiva à final do estadual, continuam sem serem revelados no time principal. Pobre Botafogo.

Por falar em final de campeonato paulista, e tentar esquecer um pouco da dor que é torcer pelo Botafogo, fica uma pergunta no ar: por que São Paulo produz tanto time médio bom – Bragantino, São Caetano, Botafogo de Ribeirão Preto, Ponte Preta – e, aqui no Rio, além de nada de novo aparecer, os times tradicionais como Botafogo e Fluminense vão se apequenando, como já aconteceu com Bangu e América.

Sempre reagi aos que diziam que no Rio não cabem mais do que dois times grandes. Se São Paulo comporta tantos, por que no Rio só caberiam dois? Falta de dinheiro na cidade maravilhosa? Duvido. A volta da torcida tricolor aos estádios, mesmo para torcer pelo time no Campeonato da Terceira Divisão, mostra que qualidade de futebol é o açúcar da paixão nos gramados. É ela, no fundo, que gera e renova torcida. No Rio, os clubes tratam a torcida como mulher de malandro. Usam um bando de pernas de pau para bater na sua paixão.

Perder torcida é o início de uma morte lenta e dolorosa de um grande clube. Mais do que o vexame de uma goleada , o 7 a 0 do Vasco no Botafogo dói pelo efeito que ele terá sobre toda uma geração. O fenômeno Túlio, e o título do brasileiro em 1995, permitiram um desempenho razoável do Botafogo nos anos 90. Pesquisa feita pelo Ibope e publicada em abril pelo jornal Lance mostra que, neste curto período de alegrias alvinegras, o time teve desempenho razoável na conquista dos corações de jovens cariocas entre 10 e 15 anos de idade.

Aí vem uma goleada dessas, coroando um período de vexames que começaram com o “heróico” empate contra o Juventude na Copa Brasil de 1999, e dificilmente a família vai conseguir convencer um jovem torcedor a ficar com o Botafogo.

Quando terminou o jogo contra o Vasco, eu só conseguia pensar: ainda bem que não foi o Flamengo! Saí de casa para ir ao cinema. Passei em frente ao Clipper, na Zona Sul do Rio, tradicional reduto de celebração de vitórias no futebol. Não vi nenhum vascaíno. Fiquei estatelada. Afinal, nos últimos anos, o Vasco montou uma estratégia competente para sair dos botequins das zonas pobres do Rio e crescer nas áreas nobres da cidade.

É verdade que a vocação para vice de seu então vice-presidente Eurico Miranda afetou os planos. Mas a mesma pesquisa Ibope-Lance mostra que a estratégia foi vitoriosa. Sua torcida aumentou. Não sei porque ela não foi comemorar a goleada no Clipper – talvez porque o adversário fôsse tão ruim que não merecia o gasto do dinheiro no chopp – mas sei em cima de quem ela cresceu: Botafogo e Fluminense.

* Elena Landau é economista e botafoguense

Leia no site do arquivo da Biblioteca Nacional
COMPARTILHE