Após Honduras: o dilúvio

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Após Honduras, o dilúvio

O futebol brasileiro precisa de uma revolução. Manter a atual estrutura achando que ela possa ser reformada de dentro, e aos poucos, é uma aposta na estagnação

Elena Landau*, Site no.com.br
27 de julho de 2001

Em retrospectiva, ao se recusar a ir para a Copa América, Mauro Silva fez bobagem. Perdeu a chance de participar numa das mais históricas campanhas da seleção brasileira. Afinal não é todo dia que a gente tem a oportunidade de levar uma surra da seleção de Honduras. Graças a essa Copa esquisita, mesmo quem duvidava, não mais duvida: o futebol daqui afundou.

Muito menos disfarçar e ficar procurando o culpado da hora de cada derrota – a tática errada, o jogador mascarado, a falta do craque. Galvão Bueno, que transmitia o “clássico”, deu bem a medida da desmoralização lá pelo final do primeiro tempo da partida. O hondurenho Leon partiu para cima da defesa e Galvão, que normalmente torce mais do que narra, se viu obrigado a fazer o alerta: “esse é perigoso”. Hondurenho? Impondo medo? Nunca imaginei que ouviria isso um dia. Depois de Honduras, não resta muita mais coisa a fazer. Só torcer pelo dilúvio.

Até agora, continuo perplexa. Não com a derrota para Honduras. Afinal com a seleção brasileira hoje tudo é possível. A gente já se senta em frente à televisão super- desconfiado, como se cada partida fosse contra a França, Itália ou Holanda.

O que me deixa nesse estado é perceber que apesar desta consistente caminhada em direção ao fracasso, nada acontece. Ninguém é responsável, ou melhor, ninguém se sente responsável. Nem os jogadores, nem o técnico, mas principalmente nem os cartolas e nem o governo. Ricardo Teixeira não deu uma palavra sobre o assunto. Carlos Melles, ministro dos Esportes, também não. A continuar assim, o ministro apenas deixará patente uma coisa que o país inteiro já sabe. Seu cargo, no fundo, é de suma irrelevância.

A CBF virou a Geni. Está esvaziada e desmoralizada. Até o Clube dos Treze anda dispensando seus serviços. Os presidentes dos grandes clubes estão furiosos com Ricardo Teixeira. Mas, como perguntar não ofende, quem foi mesmo que elegeu o Teixeira? O Clube dos Treze diz que a Liga finalmente vai sair e para facilitar as coisas pretende que seu presidente, Fabio Koff , artífice do frankenstein chamado Copa João Havelange, acumule as funções de presidente da CBF. Grande mudança não é mesmo? Com sangue “novo”, talvez agora a coisa vá.

O futebol brasileiro precisa de uma revolução. Manter a atual estrutura acreditando que ela possa ser reformada de dentro, e aos poucos, é fazer uma aposta na estagnação. Felipão é ótimo exemplo disso. Chamado para impor mudanças à seleção, ele acabou reformado pela CBF. Ao invés de continuar inconformado, indignado e batalhador, como Bernardinho, adotou o discurso da mediocridade. Sua diferença com Wanderley Luxemburgo resume-se apenas ao fato de que Felipão fala menos empolado. Perder para Honduras é uma tremenda vergonha, sim senhor. Scolari deveria conversar com o jornaleiro lá da esquina de casa. Ele definiu bem o pensamento de todos: para Honduras bastava o Botafogo, de Ribeirão Preto, é lógico.

O desmanche da mística da camisa canarinho, ou da azul – tanto faz – assim como a decadência do futebol brasileiro, vêm sendo construídos com um zelo impressionante há vários anos. Esse atual estado das coisas do futebol não acontece por combustão espontânea. O caminho para chegar até ele foi longo e marcado por tropeços constantes, como falta de calendário, mudanças legislativas, irresponsabilidade e incompetência administrativas. Tudo isto junto produz campeonatos medíocres, cartolas e times medíocres, cujo resultado final não poderia ser outro a não ser uma seleção medíocre.

A única coisa que parece ir bem no futebol brasileiro é a exportação de jogadores. O Brasil hoje manda para fora até dente-de-leite. Tudo parece ser construído em torno do objetivo de vender jogador para fora e produzir comissões milionárias. Aqui, só fica aquilo que é rastaquera – dirigentes, jogadores e técnicos. E mesmo nesse aspecto tão brilhante, o futebol brasileiro enfrenta problemas, tipo passaportes falsos, convocações estranhas que produzem preços estratosféricos e sonegação de impostos. E os responsáveis por tudo isto continuam calados. Ninguém explica e ninguém tenta mudar nada.

Queria entender porque será que o Rivaldo e o Roberto Carlos são tão queridos na Espanha e não jogam nada com a camisa brasileira. O Denílson pelo menos não decepciona: fora alguns lampejos de criatividade, joga mal lá e cá. Na Espanha ninguém consegue entender a angústia do brasileiro com os destinos do seu futebol. Pudera. Da gente, eles só veem craques, que por sinal fazem maravilhas no seu campeonato. E enquanto tudo isto acontece, aqui caminhamos impávidos no rumo do abismo. Mantemos uma estrutura arcaica e oligárquica, que destruiu tudo o que foi construído sem colocar nada decente no lugar. Antigamente, até time de quinta categoria, como o São Cristóvão do Rio, produzia craques do quilate de Romário e Ronaldinho. Do jeito que as coisas estão, os craques do mundo, no futuro, carregarão nomes como Figo, Raul, Zidane e Saviola.

* Elena Landau é economista e botafoguense


Leia no site do arquivo da Biblioteca Nacional
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