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Ao permitir que uma emissora tome as rédeas, clubes aumentam sua dependência do dinheiro da TV, em vez de ter apenas mais uma fonte de receita

Elena Landau*, Site no.com.br
29 de julho de 2001

Domingo passado, os repórteres J.A.Bombig e JH. Mariante, da Folha de São Paulo, revelaram o teor do contrato da CBF com a Rede Globo. De acordo com a reportagem, a emissora teria o direito de interferir em datas e horários de jogos da seleção para adequá-los a sua grade de programação, além de receber tratamento privilegiado na cobertura jornalística. A reportagem nos remete aos mesmos questionamentos relativos à organização do nosso futebol que surgiram em relação ao contrato da Nike, objeto da CPI da Câmara. Tem a CBF a liberdade para assinar tal tipo de contrato? Ele é prejudicial ao futebol brasileiro?

São questões distintas. A CBE, pela Constituição Federal, tem autonomia para assinar qualquer contrato. O problema, neste caso específico, é que a influência da Globo Esportes vai muito além da CBF, como ficou evidente na definição do novo calendário para o futebol brasileiro.

Sua divulgação contou com a participação de gente de peso: o Ministro Carlos Melles, Pelé e Ricardo Teixeira. Mas parece que foi decidido mesmo pela Rede Globo, principal interessada no fim da Mercosul é no esvaziamento dos Campeonatos Estaduais. Muita coincidência. É sabida a implicância da emissora com essas duas competições. A cerimônia do lançamento oficial do calendário lembra aquela velha história: tenho duas notícias para contar, uma boa e outra ruim. Qual você quer ouvir primeiro?

Começo pela boa, a definição de um calendário. Difícil encontrar alguém que venha acompanhando a decadência financeira dos clubes nos últimos anos que não aponte a falta de um calendário como o grande vilão. Um cronograma racional e permanente é fundamental por vários motivos. Primeiro, pelo lado do espetáculo. Ao poupar os jogadores de um número excessivo de partidas, contribui para melhorar o nível técnico das competições. Segundo, pelo lado financeiro. A definição de eventos e suas respectivas datas com anos de antecedência permite que os clubes desenvolvam uma real política de marketing, vendendo antecipadamente cotas de patrocínio e até mesmo bilheteria. É esta venda de ingressos antecipada, em especial camarotes, que permite aos clubes financiar a construção de estádios próprios. Agora só resta torcer para que o calendário anunciado seja mantido.

E a notícia ruim? A interferência da Globo não deveria ter sido necessária para se conseguir montar um calendário. Será que os clubes organizados no Clube dos Treze ou em uma Liga não conseguem ter competência para eles próprios decidirem seu destino? Se o Campeonato Carioca não faz sentido, não seria melhor enfrentar o Caixa D’Água e dar alguma racionalidade a esse torneio super tradicional do que extingui-lo? Ou então, pela sua irrelevância, pode-se extinguir o Caixa D’Água.

Ao permitir que uma emissora de televisão tome as rédeas – ainda que o resultado imediato possa ser positivo, irrigando cofres à beira da miséria – os clubes aumentam sua dependência do dinheiro da TV. Na verdade, ela deveria ser apenas mais uma fonte de receita da qual os clubes tiram seu sustento. No Brasil, está virando a única. A emissora fala com orgulho da importância que a antecipação dos direitos de televisionamento tem para o sustento dos clubes.

Ela participa da receita dos clubes de uma forma muito mais ampla do que na Europa. Em média responde por 60% do faturamento. Para os clubes em situação financeira mais frágil, como o Botafogo, chega a 80%. Para mim isso não é bom, mas a culpa não é da Globo. Como boa empresa privada, ela está se aproveitando de uma oportunidade – criada em boa parte pela preguiça, incompetência ou má-vontade dos nossos cartolas em resolver problemas do futebol.

A falta de uma política para diversificar a busca de recursos, a notícia de que a Globo pretende investir na área de marketing esportivo, licenciando produtos com a marca dos clubes e participando da construção de estádios, soa grave. Se isso acontecer, vai fazer crescer a dependência do futebol de um único comprador, o que certamente é bom para quem compra, mas péssimo para quem vende. Não adianta nada, portanto, a possibilidade criada para a diversificação de receitas se os recursos vierem todos da mesma fonte.

A alternativa seria criar uma Liga realmente independente. Como a independência não parece fazer parte do vocabulário dos cartolas, resta torcer para que sigam o rumo do Vasco e busquem alternativas de receita fora deste parceiro tradicional. Coisa que também não deixa de ser lamentável. Afinal, é duro admitir que Eurico Miranda possa ser olhado como um exemplo. Só mesmo no futebol brasileiro.


Em meio a tantas notícias e discussões sobre calendário e futuro do futebol, ficou meio esquecido que a seleção do Felipão tem, domingo, jogo de vida ou morte contra o Uruguai. As perspectivas são boas. Há muito não se via a seleção com os melhores jogadores, esquema tático e um mínimo de autoridade. Assim como a seleção do Bernardinho, nosso Felipão do vôlei, Felipão está com toda a pinta de que vai virar o Bernardinho no futebol.

* Elena Landau é economista e botafoguense

Leia no site do arquivo da Biblioteca Nacional
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