Caixa-preta

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Caixa-preta

Apesar da pouca representatividade dos dirigentes e do arcaico sistema que lhes entrega o poder, o Brasil tem instituições capazes de abrir a caixa-preta

Elena Landau*, Site no.com.br
06 de julho de 2001

Novamente, lá vem um cartolão, nesse caso Fabio Koff, presidente do Clube dos Treze, dizer que não haverá campeonato brasileiro caso o Remo consiga na justiça comum o direito de disputar a primeira divisão. Ano passado, apesar da mesma ameaça, os dirigentes acabaram parindo um monstro: a Copa João Havelange.

Koff, em entrevista ao Jornal do Brasil, ressalta que o Clube dos Treze é independente da CBF e concentra o interesse dos grandes clubes brasileiros, movimentando receitas da ordem de R$ 100 milhões. Se o Clube dos Treze é assim tão espetacular, por que ao invés de ameaças que tem toda a pinta de bravatas, ele não age e monta um campeonato enxuto, com um calendário lógico, apenas com os clubes que participam deste privilegiado grupo? Sei não. Tem muita coisa pouco clara nesta relação entre o Clube dos Treze e a CBF.

Mais confuso do que isso só mesmo os mecanismos que transformam Koff, e tantos outros, em superdirigentes capazes de fazer chover ou não num esporte que depende, para estar vivo, da paixão e dos bolsos de milhões de pessoas sem nenhuma influência direta na política dos clubes. Pode-se ficar indignado com a indicação de Gilberto Mestrinho para presidir o Conselho de Ética do Senado. Mas, pelo menos, a gente sabe como ele chegou lá. Foi eleito, pelo voto direto, senador.

É o contrário do que acontece nas entidades esportivas. Nelas, a representação nasce de um sistema eleitoral do princípio do século passado. É indireto e só dá representatividade aos mais ricos. Nos clubes, direito a voto é coisa de sócio-proprietário. É lá que tudo começa, pois são os clubes que elegem os presidentes de federações estaduais, que por sua vez elegem o presidente da Confederação Brasileira. São os presidentes dos clubes que indicam o presidente do Clube dos Treze.

Os presidentes de clube, em geral, são eleitos a partir da formação de uma chapa para a disputa do Conselho Deliberativo. É na chapa que votam os sócios-proprietários, parcela ínfima no universo das pessoas que fazem um clube de futebol digno desse nome. Tome-se o exemplo do Flamengo. Sua torcida é estimada em 30 milhões de pessoas em todo o Brasil. Mas para eleger seus dirigentes, apenas 7416 sócios estão habilitados. Destes, apenas 2 mil votaram nas últimas eleições no clube.

Este processo seria razoável se as funções da diretoria dos clubes de futebol se limitassem a administrar seu patrimônio físico, como sedes, terrenos, piscinas ou imóveis. Quando se coloca o futebol nesta equação é que tudo se complica. É o torcedor, sócio ou não, que faz o futebol de um clube maior ou menor. Sua presença, sua paixão, cria a mística da camisa, coisa que entre investidores atende pelo nome de valor da marca.

Nas parcerias fechadas entre os clubes e investidores privados, é a partir desta marca que os valores de um acordo são definidos. Em geral, os investidores pagam na frente pelo direito de comercializar esta marca por longo prazo. Os dirigentes gastam o dinheiro como bem entendem. As parcerias fechadas pelo Flamengo e Vasco mostram o perigo desta independência do departamento de futebol.

Dois anos depois de receberam recursos significativos, os dois clubes estão com os mesmo problemas financeiros de sempre. Esta semana, o noticiário sobre as semifinais da Copa dos Campeões, trouxe não só a tradicional análise técnica dos competidores, mas comparações sobre a situação financeira de Flamengo e Cruzeiro – outro clube que também estabeleceu parceria.

O controle pelos investidores sobre o orçamento do departamento de futebol do Cruzeiro mostra a superioridade de uma gestão responsável. O clube perdeu o jogo contra o Flamengo, mas ao contrário do adversário, não está quebrado. Esperar que os dirigentes trabalhem para mudar as regras do jogo, ampliando a transparência e o controle sobre seu trabalho ainda é um sonho.

Vai ver é essa a razão pela qual Leão, na sua entrevista de despedida da CBF, disse que pretende virar cartola. Voce não precisa dar satisfação, faz o que bem entende e nunca é demitido por incompetência. Tremendo emprego. Exatamente o oposto do que acontece na vida de um técnico.

Mas a pressão está vindo. A Comissão de Valores Mobiliários notificou anteontem a Vasco da Gama Licenciamentos por que ela está com um atraso de 6 meses no fornecimento de suas informações financeiras. É uma luz no fim do túnel. Mostra que, apesar da pouca representatividade dos dirigentes e do arcaico sistema que lhes entrega o poder nos clubes, o Brasil tem instituições capazes de abrir a caixa-preta de investidores e dirigentes que se instalou no futebol.

* Elena Landau é economista e botafoguense


Leia no site do arquivo da Biblioteca Nacional
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