Coisa de mulher

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Coisa de mulher

Os dirigentes não esperava, pela Gislaine. Ela comprou briga séria ao defender os direitos trabalhistas dos jogadores. Coisa que nunca se viu por aqui. Talvez, coisa de mulher

Elena Landau*, Site no.com.br
20 de julho de 2001

Leitor, quando escreve, o faz em geral para discordar, Pelo menos no meu caso. Minha coluna sobre a falta de representatividade dos dirigentes de futebol no Brasil gerou um bom número de cartas e e-mails contra a tese de que é preciso buscar mecanismos para proteger os interesses, ou permitir a intervenção, da torcida na gestão de um clube. Seus autores são sócios-proprietários, os com-voto do futebol brasileiro. O argumento geral é que eles, que estão mais próximos do dia-a-dia de um clube, têm melhor condição de se informar sobre o que ele precisa para prosperar.

Sei não. Acho que por trás disso está sempre a ideia de que o povo não sabe votar. Para se informar sobre futebol, não é preciso ter título de clube. Basta ser torcedor. Qualquer frequentador de arquibancada que tenha um mínimo de neurônios sabe do que seu time precisa para ser vencedor. Ele pode até se encantar com um dirigente que monta um supertime, mas sabe que se as finanças e a disciplina não estiverem em dia, sua alegria vai acabar durando pouco.

Muita gente escreveu também para reclamar que eu defendo a ingerência de patrocinadores no futebol. Não é bem assim. Não defendo a ingerência deles no futebol, mas não acho justo que eles deem dinheiro sem ter direito a contrapartidas. O que não pode acontecer é a existência de contrapartidas que acabem atrapalhando o desempenho de um time no campo. No caso específico da CBF e seus patrocinadores, os contratos não indicam a existência de qualquer
cláusula neste sentido.

Nas mensagens que recebo, uma curiosidade salta aos olhos. Quando quem escreve é um homem, ele raramente esquece o fato de eu ser mulher. Uns usam esta condição para me ofender. Outros, apesar de mais delicados, não conseguem ficar sem expressar uma certa surpresa em ver alguém não masculino falando de futebol. Seja como for, confesso que acho esse tipo de reação surpreendente. Afinal, a presença de mulheres no jornalismo esportivo no Brasil pode ser pequena, mas não é insignificante.

As mensagens que contém ofensas abusam dos clichês anti-femininos. Sou comparada a fêmeas de mamíferos herbívoros, insinuam que sou emocional, portanto, incapaz de raciocínio lógico, e geralmente mandam que eu volte para o fogão e o cuidado dos filhos, pedido que em parte já atendo. Crio um filho, há 17 anos, e é ele meu grande companheiro de arquibancada. Quanto ao fogão, difícil voltar para onde nunca estive. Sempre fui péssima nele.

Entre os que expressam surpresa, minha atividade como colunista é saudada ora como o prenúncio da redenção feminina – coisa que me incomoda porque não sou a primeira a fazer isto e não tenho vocação para símbolo – ora como coisa absolutamente intrigante, incompreensível até. Como é que uma mulher pode falar de algo que. por aqui, permanece ainda num universo predominantemente masculino?

Bem, eu tenho o hábito de falar, muito, sobre qualquer coisa, mas desde que sobre ela eu tenha um mínimo de conhecimento. E no caso de esportes, em geral, e futebol, em particular, eu tenho. Há tempos acompanho esportes com o mesmo rigor que acompanho questões de economia. Depois, na minha vida profissional – enquanto acreditei nas mudanças que a Lei Pelé original poderiam trazer para o esporte – passei um bom tempo trabalhando diretamente com futebol, tentando desenvolver meios de tornar esta atividade mais transparente e mais viável do ponto de vista econômico. Na adolescência, troquei muita festinha para ir ao Maracanã. Naquela época, o futebol ainda era um espetáculo e frequentar os estádios à noite não oferecia nenhum perigo. Portanto, me acho qualificada a opinar sobre o assunto.

Por falar em mulher nos esportes, não se pode deixar de mencionar a advogada Gislaine Nunes. Comprou uma briga séria ao defender os direitos trabalhistas dos jogadores. Estamos numa época de transferências de jogadores, em especial, nos clubes europeus. Os valores são elevadíssimos. O Real Madrid pagou US$ 65 milhões pelo Zidane. Essa onda já chegou no Brasil com uma oferta pelo Juan, que deve estar louco só de cogitar jogar num clube racista.

Deve ser mais fácil para ele conviver com os torcedores do Lazio do que com a perspectiva de salários atrasados. Aqui no Brasil os valores altos não querem dizer muita coisa. Ninguém recebe salário mesmo. Já ouvi de muito dirigente que imposto e encargos trabalhistas não foram feitos para serem pagos. Duvidam que alguém cobre dos clubes essas dívidas e ameaçam jogar a fúria das torcidas contra o governo. Mas eles não esperavam pela Gislaine. Coisa que nunca se viu por aqui. Talvez, coisa de mulher.

E por falar em Zidane, Rivaldo vai virar espanhol. É o que promete seu clube, o Barcelona, no máximo até dezembro. A operação tem o objetivo de abrir uma vaga na cota de estrangeiros do time para o argentino Riquelme, que passa a partir de janeiro a formar uma linha de ataque de matar: Saviola, Riquelme, Rivaldo e Kluivert.

* Elena Landau é economista e botafoguense


Leia no site do arquivo da Biblioteca Nacional
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