Crise e oportunidade
Para quem acredita que uma grande crise é ao mesmo tempo uma grande oportunidade, o futebol brasileiro ainda tem chance
Elena Landau*, Site no.com.br
29 de novembro de 2001
Para quem acredita que uma grande crise é ao mesmo tempo uma grande oportunidade, o futebol brasileiro ainda tem chance. Crise maior que a atual será difícil de acontecer de novo. Pior, só no dia em que o futebol acabar no país.
O futebol está sem organização, sem comando e, ainda mais grave, sem ídolos. Você sabe que bateu no fundo do poço quando toda esta lama que vem sendo revirada há dois anos acaba respingando até para cima do Pelé. Diagnósticos sobre como chegamos a este ponto, alguns deles ótimos, não faltam. Com o fim da CPI do Senado se aproximando vamos ter a oportunidade de ler os detalhes das práticas de má administração, e também as ilegais, que levaram os clubes e as federações à situação de falência que se encontram.
Alguém precisa assumir este vácuo que foi criado na condução do esporte. O governo parece não se importar com os destinos da paixão nacional. É pena. O futebol no Brasil é uma coisa tão grande e tão importante que, por isso mesmo, teria todo o direito a demandar atenção ampla de Brasília. Para um governo que adora se espalhar no que acontece lá fora, existe até um ótimo exemplo para justificar esta atenção.
No início dos anos 90 a Inglaterra passava por crise semelhante a nossa. Estádios vazios, violência dos torcedores e o futebol inglês proibido de participar e campeonatos europeus. O Parlamento inglês interveio através do Taylor Report, que criou obrigações na construção dos estádios que inibissem a violência das torcidas. A reconstrução dos estádios contou com o apoio do governo Thatcher, que participou com cerca de 30% do total de recursos necessários às reformas e botou a polícia em cima dos arruaceiros. A mobilização inglesa, além de reconhecer a importância do futebol no país, teve o objetivo principal de criar um contexto para sua viabilização comercial.
O Brasil tem tudo para ser igual à Inglaterra, pelo menos no futebol. Seu mercado, mesmo mal desenvolvido, tem bom tamanho. O país continua a produzir ótimos jogadores, tem estádios em estado razoável e, pelo menos por enquanto, ainda dispõe de bons times, ou como gostam de dizer os marqueteiros, produtos. Infelizmente, se tudo isso bastasse, não estaríamos onde estamos. Pode piorar.
Com o desenvolvimento de um futebol sério e de qualidade no exterior, corremos o risco de ver os brasileiros passarem a consumir um produto importado, isto é, preferir assistir aos jogos do campeonato inglês, torcer por clubes que têm no plantel os craques brasileiros e admirar a seleção da França. Dia desses até minha sogra comentou que é muito mais divertido assistir os jogos do Manchester do que os do Brasileirão.
Pelo que estamos vendo até o momento parece ser este o rumo que nos resta. Os parlamentares estão mais preocupados em desmoralizar o relatório do senador Geraldo Althoff, a exemplo do que já fizeram com o do deputado Sílvio Torres, do que discutir seriamente a reconstrução do futebol – mesmo estando patente que, para melhorar as coisas, muito da legislação sobre o esporte deveria mudar.
O levantamento de contas do Vasco da Gama mostra que o clube recebeu dos investidores R$ 92 milhões, sendo que 20 foram parar na conta do Eurico Miranda e 72 milhões foram simplesmente desperdiçados. No caso do Flamengo temos o mesmo padrão. Investidores que na pressa de fechar negócios com esses grandes clubes aceitaram entregar recursos sem zelar por eles. As grandes vítimas dessa dupla irresponsabilidade são os torcedores que assistem ao desmonte de seus clubes sem nada poder fazer.
Seria interessante instituir para o esporte a mesma filosofia da Lei de Responsabilidade Fiscal, que conseguiu impor maior disciplina aos prefeitos e governadores tornando inelegíveis aqueles que conduzem uma política fiscal irresponsável, como, por exemplo, esvaziar o caixa ou elevar o seu endividamento nos últimos meses de mandato. Nunca é demais lembrar que o Vasco arrendou o uso de sua marca por 99 anos. Mesmo que tirem de lá o Eurico, como é que o clube sobreviverá?
As federações e a CBF estão completamente desmoralizadas e o famoso artigo 217 da Constituição Federal, que dá autonomia às entidades desportivas, só serviu para que elas, até agora, se comportassem como se não devessem prestar contas a ninguém. A Federação Paulista diz que é sociedade sem fins lucrativos. Mas usa práticas contábeis de sociedades com fins lucrativos e deixa de pagar impostos indevidamente.
Cadê nosso diligente secretário da Receita Federal que parece não se preocupar com o nível de sonegação da atividade futebolística? Não resta dúvida que é mais fácil congelar tabela do imposto de renda e criar impostos em cascata. Mas está mais do que na hora de a população ver algum dirigente sonegador em apuros. Ou então iremos aprender que, pelo menos no futebol, o crime compensa.
Na seleção, e por tabela na CBF, segue-se também de mal a pior. Depois do sufoco da classificação, esperava-se que alguém se pronunciasse sobre os planos de preparação para a Copa. Falou-se em substituição do técnico e do coordenador técnico. Nada aconteceu. Parece que Lopes e Felipão continuam empregados simplesmente pela falta de alguém que os demita. A presença brasileira no sorteio das chaves para a Copa tem a marca da decadência. Perdemos força política dentro da Fifa e nem nos preparamos para isso. Se o sorteio nos mandar jogar na Coréia, estaremos fritos. Nem hotel a CBF reservou por lá. Área de treinamento então, nem pensar.
Toda esta bagunça deságua na reta final do Brasileiro onde o Flamengo chega debaixo do risco de ser rebaixado. Como Botafoguense acho divertida essa possibilidade. Mas como observadora isenta, a possibilidade me preocupa. Será que faz sentido levar para a Segundona um time com esta torcida toda? Ninguém se pronuncia. E se o Flamengo cair mas acabar não caindo, vai ficar feio. Vai parecer virada de mesa e não uma decisão refletida.
Por fim, Pelé, a maior marca do esporte mundial, o símbolo do país no exterior está no meio de um escândalo. Estamos todos torcendo para que Pelé saia dessa. Confesso que ainda não entendi como é que a Unicef adianta US$ 700 mil e não checa o destino do dinheiro. Esse pessoal do chamado setor privado, Bank Of América, ISL e Unicef, anda muito distraído para o meu gosto. No meu time não gostaria de ter um parceiro desses.
Em entrevista esta semana ao jornal Folha de S. Paulo, Pelé diz que primeiro vai devolver o dinheiro e depois discutir. Ótimo. Decisão digna do ídolo que ele sempre foi. O pior que poderia acontecer para o futebol brasileiro era perder seu ídolo maior. Não ia sobrar nada.
* Elena Landau é economista e botafoguense