Devagar com as Ligas
Substituir a CBF pelas ligas é o mesmo que quebrar o termômetro para acabar com a febre. Não é uma discussão simples, e impeachment não é coisa fácil
Elena Landau*, Site no.com.br
31 de agosto de 2001
A impossibilidade legal de uma intervenção na CBF trouxe a criação das Ligas de futebol para centro do debate. Elas serviriam para provocar um esvaziamento gradativo da CBF c a diluição do poder político das federações. A possibilidade de os clubes se organizarem em torno de Ligas independentes das federações confederações estava presente na Lei Pelé original. Era uma ótima ideia e continua sendo. Mas a discussão desta semana em torno do tema desvirtua o espírito original da ideia.
A Liga nada mais é do que uma forma de organização dos clubes e uma opção comercial. Não é uma solução institucional. Simplesmente substituir a CBF por elas é o mesmo que quebrar o termômetro para acabar com a febre. Elas não vão resolver os problemas estruturais do futebol brasileiro. Basta perceber que os nomes cogitados para presidi-las são os mesmo que estão por aí há anos e que participaram da formação do Clube dos Treze, das modificações do formato dos campeonatos nacionais, de calendários, de critérios de descenso e ascenso – enfim, de todas as confusões que marcaram o futebol brasileiro nos últimos ano.
Tenho focado minhas últimas colunas em questões sobre representatividade e gestão no futebol. Recebi cobranças pedindo muita atenção aos demais esportes, pois os vícios que hoje vemos no futebol estão também presentes em várias modalidades esportivas. Não tenho dúvidas a esse respeito. Apenas acho que sendo o futebol, por enquanto, o esporte nacional, qualquer mudança radical na sua estrutura acaba contaminando positivamente s estrutura dos demais esportes no Brasil. Por isso, voltemos às Ligas.
Uma liga de futebol é por definição um clube fechado. Não cabem nela os objetivos, mais gerais de organização do futebol brasileiro, não cabem os clubes de menor torcida. e assim por diante. A Liga tem um objetivo comercial é não normativo. A CBF pode, e, ouso dizer, deve continuar existindo. O que se deve fazer é consertar sua forma de atuação Por exemplo, sua forma representação. Como em tantas outras atividades devemos escolher entre o voto unitário, cada federação um voto, e o voto ponderado, que levaria em consideração a representatividade dos estados e clubes através, por exemplo, de sua contribuição financeira à entidade
Não é uma discussão simples. O que aconteceria com os clubes de segunda divisão e com os estados mais pobres. O desincentivo aos clubes pequenos afetaria a formação de jogadores ou não? É, portanto, prematura na minha opinião a substituição da CBF por Ligas. É bom lembrar que temos hoje que no país mais de 500 clubes de futebol. Certamente é um número excessivo. Mas quais serão os clubes sobreviventes? Queremos ter no país algum espaço para o futebol amador ou apenas unta atividade comercial?
Talvez o erro não esteja no número de federações representadas na CBF mas na forma como o poder é exercido na entidade. Vi gente reclamando que é preciso 75% dos votos da Assembleia, formada por representantes de 27 federações e 28 clubes, para que se consiga o impeachment do Ricardo Teixeira. Acho certo, impeachment não deve ser encarado com naturalidade, como coisa fácil. Ele é recurso de última instância. O que falta à CBF é um controle intermediário que pudesse ter evitado que o descrédito da entidade chegasse ao nível de hoje.
Também circulou esta semana a ideia de uma agência reguladora. Uma ideia nova, pode ser interessante para resolver o problema da autonomia da entidade esportiva. Não seria melhor mudar o artigo 217 da Constituição? A única PEC (Proposta de Emenda Constitucional) em relação a ele é de autoria do senador Maguito Vilela que não muda essencialmente nada, apenas impede a hereditariedade das federações. Feita de encomenda para resolver a
questão na confederação de judô que hoje não existe mais. Parece um tiro de canhão para matar mosca. Uma PEC deveria tratar de assuntos mais estruturais.
Uma agência normalmente regula um serviço público. Este é o caso do futebol? Sempre achei que o futebol era um caso especial. Dizem que é patrimônio cultural do país. Defendo que a marca de um clube é um patrimônio dos torcedores, sócios-proprietários de títulos do clube ou não. Não sei se a agência é uma solução, se pode existir para regular uma atividade em tese privada.
Não estou convencida ainda de que seja preciso criar algum órgão de regulação e controle além dos que já existem (Cade, Procon, Receita Federal, Banco Central, etc) ou simplesmente tomar as entidades esportivas legalmente passíveis de controle. Privada ou não qualquer empresa ou associação deve pagar impostos, encargos trabalhistas ou declarar renda enviada para o exterior. De todo modo, estamos vendo pela primeira vez uma tentativa de cuidar deste caráter de bem “público” que o futebol tem. É um bom começo.
* Elena Landau é economista e botafoguense