Dinheiro, carros e futebol
Há exatamente um ano, a revista The Economist fez uma reportagem investigando os segredos das finanças da Fórmula 1
Elena Landau*, Site no.com.br
13 de julho de 2001
Há exatamente um ano, a revista The Economist fez uma reportagem investigando os segredos das finanças da Fórmula 1. Ressaltava o fato de o automobilismo mobilizar extraordinárias somas de dinheiro, administrado de forma igualmente extraordinária. Causou espécie à revista a enorme influência de Bernie Ecclestone, vice-presidente da FIA (Federação Internacional de Automobilismo) nos negócios da Fórmula 1.
Poucos meses antes da reportagem, a FIA garantiu uma extensão de 100 anos ao contrato de cessão de direitos comerciais celebrado com a Formula One Management, empresa da família de Ecclestone, que competiu absolutamente sozinha por este butim. O valor do contrato foi de apenas US$ 506 milhões. Só a título de comparação, a Nascar, associação que organiza o campeonato da categoria stock car nos Estados Unidos, recebeu pela venda de direitos de televisionamento de suas corridas US$ 562 milhões anuais. Ecclestone tentou se explicar, não convenceu, mas a coisa ficou como já estava.
A Fifa também tem explicações a dar. Seu presidente, Joseph Blatter vem sendo questionado pelo seu relacionamento com a finada ISL, que concentrava todos os contratos da entidade. A falência da empresa de marketing esportivo suíça causou estragos financeiros na Fifa de grandes proporções. A ISL ficou conhecida por aqui por conta de seu investimento no Flamengo que, aliás, deve estar morto de arrependimento de ter esnobado o fundo de investimentos HTMF, cujas parcerias no Corínthians e Cruzeiro vão muito bem obrigado.
É triste, mas Ricardo Teixeira, no fundo, tem exemplo lá fora. Aparentemente, ele está apenas importando know-how. Segundo a Folha de S. Paulo, Teixeira deu uma de Ecclestone. Só que ao invés de sua família, entregou um bom bocado do contrato da CBF com a Ambev a um amigo, Renato Tiraboschi, pessoa, aliás, dona de um timming perfeito: comprou a empresa MB apenas dois dias antes do seu credenciamento pela CBF para intermediar o acordo com a Ambev.
Os mega-contratos de marketing assinados pela CBF têm sido alvo de desconfiança geral. Foi assim com a Nike. Agora é com a Ambev. As críticas vão desde o nível de ingerência dos patrocinadores até a necessidade ou não de intermediação no fechamento desses contratos. É razoável esperar que um patrocinador, que faz a aposta numa equipe ou num atleta, tenha direito de exigir uma contrapartida dos seus patrocinados. Quanto a intermediação, a questão é saber primeiro se ela era de fato necessária.
Aparentemente seria. Afinal, os dirigentes da entidade – exatamente como acontece na FIA de Ecclestone ou na Fifa de Blatter – nunca buscaram de fato reformá-la. O resultado disso é uma estrutura primitiva, que vive em absoluto descompasso com o crescimento do volume de dinheiro gerado pelo marketing esportivo. Tivesse a CBF profissionalizado sua diretoria, não haveria necessidade de intermediários. O diretor comercial da confederação, como em qualquer outra atividade, seria responsável por alavancar o potencial comercial da entidade, ganhando salários e prêmios correspondentes à responsabilidade do cargo e aos resultados obtidos.
Mas, vá lá. A estrutura da CBF, amadora e arcaica, impede que se tenha alguém competente para se fazer isso. É uma boa razão para se trazer alguém de fora. A razão, no entanto, se despedaça quando se descobre o quilate do intermediário contratado por Teixeira. Além da sua falta de tradição no ramo, sua empresa tem sede fantasma. Convenhamos, isso basta para colocar a empresa, seu dono e a
CBF sob suspeita.
Nas últimas décadas, os recursos que os esportes movimentam cresceram significativamente, principalmente em função da televisão. Nada de errado com isso. O problema está no fato da estrutura de gestão das entidades esportivas que manejam essa enorme quantidade de dinheiro ser ainda quase que amadora. Quanto mais o esporte se transforma numa máquina de fazer dinheiro, mais a atividade precisa, não só de gestão profissional, mas também um bom arcabouço regulatório adequado. Infelizmente, FIA, FIFA e CBF continuam andando na direção contrária.
Zico, em artigo no JB, é mais um dirigente da banda boa a pedir total transparência e independência das empresas que administram eventos esportivos. Concordo com ele, mas acho que não basta pedir. Não acredito que seja possível se obter, de forma espontânea, a renúncia a qualquer motivação pessoal estranha ou obscura daqueles envolvidos nas atividades do futebol. Pelo o que se observa mundo afora, esse desapego só virá se for imposto legalmente.
Piramos?
Uma pesquisa publicado em O Globo revela que o carioca anda mais realista em relação ao nosso futebol. Vamos nos classificar mas não ganhar a Copa. Até aí nenhuma novidade. Mas a Argentina virar nosso segundo time, dá para desconfiar. Ou então endoidecemos.
* Elena Landau é economista e botafoguense