Guga é Senna

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Guga é Senna

Guga é o melhor tenista da atualidade. Há quatro anos, quando ganhou Roland Garros, não ousaria dizer que seria o fenômeno que é hoje

Elena Landau*, Site no.com.br
07 de setembro de 2001

Pouco importa o jogaço de quarta-feira entre Sampras e Agassi. Menos ainda o resultado de seu jogo contra Kafelnikov. Guga é sem dúvida o melhor tenista da atualidade. Não é preciso nenhum ranking para confirmar isso. O jogador de hoje está muito longe daquele menino simpático e talentoso que ganhou Roland Garros há quatro anos atrás. Naquela ocasião, apesar do estado de encantamento em que ele nos deixou, não ousaria dizer que Guga que seria esse fenômeno que é hoje.

Talvez exatamente pela imagem alegre, descontraída e até mesmo desleixada para os padrões do tênis, Guga passa a sensação de que chegar onde ele chegou é fácil. Centenas de jovens – em especial os que têm poder aquisitivo para isso – adotaram o tênis como esporte ou profissão achando que um dia também vão chegar lá. Não quero desestimular ninguém, até mesmo porque quanto maior o número de tenistas maiores as chances de o Brasil se destacar como grupo, mas Guga é especial. Especial como foi Pelé, como foi Senna. Especial nessa capacidade de juntar talento natural, a muita técnica e disciplina.

Guga era o rei do saibro. Esse elogio no fundo trazia um preconceito; ele não joga nada em quadra dura. Pois é. Agora joga. Inspiração? Não. É resultado de muito suor, dedicação e muito treino. Zico tinha um aproveitamento em faltas quase igual ao de pênaltis. De novo, talento, mas também muito, muito treino. Até na preparação psicológica ele vem se superando. Guga não tinha sorte em tie breaks. Agora não perde nenhum. Recentemente o tenista brasileiro teve uma de suas raquetes roubadas. O noticiário registrou que ele teve uma reação exagerada. Afinal de contas era apenas uma raquete, talvez levada por um fã mais afoito. Nada de tão grave. Mas para Guga foi gravíssimo. E não sem razão. Soube-se depois que, ao contrário da maioria dos tenistas, ele anda com um número reduzido de raquetes, calibradas pessoalmente pelo seu dono.

Peso, diâmetro, encordoamento são definidos meticulosamente por Guga, mas com um detalhamento técnico que supera em muito às tradicionais manias de todo tenista, principalmente o amador. Ele me lembrou a neurose do Senna com o acerto do seu carro, onde até o ouvido era empregado para afinar o ronco do motor. Na sua virada dramática contra o russo Max Mimyi, quando perdia de dois à zero, novamente me veio o Senna à cabeça, dirigindo um carro sem câmbio, ganhando uma corrida em Interlagos literalmente no braço.

Muita gente acha que ficar rico com esporte é fácil, basta um pouco de talento, alguma sorte e muita inspiração. Olhem Senna, olhem Pelé, olhem Zico. E agora, olhem Guga Como os outros, ele conhece seu talento, sabe que não controla à sorte e nem a inspiração e que, portanto, não pode depender só disso. Tem que ralar. E Guga, felizmente, não tem medo da transpiração.


Canelada

Enquanto Guga dá lição, a seleção brasileira de futebol entrou em campo achando que o empate já era um bom resultado. Não sei como algum esportista pode pensar assim. Além do mais contra a Argentina. Mesmo sendo eles os favoritos, o que em campo não foi tão gritante assim, mesmo que tivéssemos mil pontos de vantagem e com a classificação já garantida, contra nossos rivais portenhos é sempre vencer ou vencer.

O espetáculo refletiu essa postura medíocre, com o Brasil convencido da sua própria pequenez. O Brasil segue jogando bola com a canela, e certamente sem alma. Parecendo conformado com a inferioridade do time frente ao seu adversário, entrou no segundo tempo mais retranqueiro que o normal. Tivesse Guga essa mentalidade não teria ganho Roland Garros pela primeira vez quando ainda era um desconhecido. No Monumental de Nufiez, a seleção voltou a mostrar o mesmo futebolzinho previsível e rastaquera que vem apresentando nessas eliminatórias e dependendo da sorte para marcar gol. E até que ela não nos faltou.

Apareceu logo no início do primeiro tempo, quando marcamos um gol absolutamente estranho, que contou com a colaboração da defesa argentina, e depois no início do segundo, quando os adversários, depois de uma bola na trave, deram mais 3 chutes seguidos contra um gol aberto e a bola não entrou. O problema é que sorte raramente ganha jogo.

Muita gente me pergunta se não acho melhor a gente perder tudo logo, para acelerar a solução dessa crise do futebol. Primeiro, sou contra essa história de quanto pior melhor, seja qual for a área, na economia ou no esporte. Segundo, não há, nem na minha cabeça e muito menos no meu coração, nada que justifique torcer por qualquer rival do Brasil, principalmente os argentinos. Vamos resolver a crise do futebol como ele deve ser resolvida. Mudando radicalmente sua estrutura e voltar a jogar uma bola redonda.

* Elena Landau é economista e botafoguense


Leia no site do arquivo da Biblioteca Nacional
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