Lento suicídio

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Lento suicídio

O busto de Garrincha à frente de um mictório, funcionando como porteiro do mau cheiro, é a cara da decadência do Maraca

Elena Landau*, Site no.com.br
1º de junho de 2001

O futebol brasileiro já tem um candidato a clássico do ano. É Cruzeiro x Palmeiras. No quadro atual do futebol brasileiro, é um verdadeiro oásis. Jogam futebol inteligente, criativo e agressivo. É certeza de gol. Infelizmente, não é certeza de público no estádio. Nem final de campeonato garante mais que a casa vai ficar cheia.

Basta ver a final do Carioca. Foi jogada em duas rodadas com Vasco e Flamengo, as duas maiores torcidas do Rio. Eram jogos para 100 mil pessoas, fácil. Foram 60 mil em cada um. Trinta por cento das arquibancadas não foram ocupadas. Surpreendente? Não. Difícil é isolar um único motivo para o esvaziamento dos estádios: transmissão pela TV, violência nas ruas ou entre torcidas, má conservação, desconforto.

No caso do Maracanã, essas duas últimas razões são patentes. Seu estado é lamentável. A maquiagem feita para o campeonato mundial de clubes desbotou. E as marcas do tempo reapareceram. Essas marcas não dizem respeito apenas ao estado deplorável de suas dependências, mas ao anacronismo de suas formas. Ele é grande demais e deixa a torcida longe demais. Virou um grande campo neutro.

Nos jogos europeus, a torcida fica grudada no campo. Todos os estádios modernos aproximaram o torcedor dos jogadores. Nesses casos, jogar em casa faz uma real diferença. Ao invés de fazer uma reforma estrutural seguindo uma tendência mundial, o governo do estado do Rio de Janeiro fez uma reforminha fajuta, que prejudicou ainda mais os freqüentadores assíduos.

Inventou uns camarotes na área de ventilação e transformou o estádio numa sauna pública. A higiene continua precária. Não cuidou da segurança. Nem criou áreas de alimentação e lazer para atrair as famílias para os jogos. Quem vai pagar 20 reais para sentar na arquibancada branca e continuar a sofrer tamanho desconforto e insegurança? Só otário ou torcedor muito apaixonado. O busto de Garrincha instalado à frente de um mictório, funcionando como porteiro do mau cheiro é a cara da decadência do Maraca. De quebra, é belo exemplo de como o Brasil reverencia seus ídolos.

Diante de um estádio neste estado, quando o jogo é transmitido pela TV, ficar em casa é irresistível. A não ser para o fanático. Ficar em casa, é verdade, não dá a mesma emoção. Mas o conforto é o seguinte! Dá para ir ao banheiro, o que para o público feminino faz uma tremenda diferença. Para quem não torcia para nenhum dos dois times, o que era meu caso, o jogo transmitido pela TV foi imperdível. Qualquer resultado era lucro. Se o Vasco ganhasse, a gente se livraria daquela torcida ensurdecedora. Se o Flamengo ganhasse, era mais um freguês que surgiria no Rio. Surgiu mais um freguês no Rio. E não posso deixar de dar parabéns ao Flamengo – para em seguida cometer um harakiri.

E por falar em suicídio, a seleção brasileira segue cometendo o seu, com o requinte máximo de crueldade: bem devagarzinho. O último golpe contra si própria foi desferido na convocação para a Copa das Confederações, no Japão. Ficou claro que vestir a camisa canarinho virou moleza. Qualquer um serve. E o objetivo da CBF não é mais ter um time capaz de encantar a torcida e fazer grandes jogos. Agora que superamos – quem diria – o medo dos Camarões, o negócio é ficar de olho na França e não cair ainda mais no ranking da FIFA. Maldito futebol de resultados.

Não fosse a polêmica do tênis do Leão, acho que ninguém teria notado a tal Copa. O técnico chora, diz que foi traído, que não pode contar com o elenco que esperava. O estranho é que quando podia, não fez muita diferença. A ausência dos craques, o acanhamento do hotel que abriga o time e a pouca cobertura da imprensa dão a real dimensão do futebol brasileiro hoje.
Felizmente, ainda dá para torcer pelo Brasil. E muito. Tem a seleção de voley do Bernardinho, a pilotagem de Helio Castro Neves em Indianápolis e a vitória da golfista Maria Candida Hanneman no campeonato universitário americano, passo fundamental para qualquer um que queira virar Tiger Woods. E, é claro, tem o Guga.

Ainda é cedo para avaliar Roland Garros. O torneio só começa a esquentar na semana que vem. Guga, bi-campeão e jogando no saibro, tem tudo para chegar à reta final da disputa. Motivos para torcer desesperadamente por ele não faltam. O futebol não anima, o cara é irresistível e, sobretudo, há a possibilidade de um tricampeonato. É pouco? Então aqui vai mais um. Se ele vencer, quem sabe Wimbledon abandona sua arrogância, começa a respeitar este grande tenista e muda seu sistema de escolha de cabeças-de-chave. Se não, pior para eles. Nenhum campeonato de tênis, hoje, merece ter esse nome se não tiver a presença do Guga.

P.S. Recebi telefonema de Chiquinho da Mangueira, presidente da Suderj e responsável pelo Maracanã. Ele, evidentemente, detestou o que escrevi sobre o estado do estádio que ele cuida. Disse que que o busto de Garrincha tinha sido colocado em frente ao banheiro temporariamente e que foi reconduzido ao seu lugar original. Disse também que os banheiros já estão sofrendo novas obras para melhorar as condições de higiene. Por fim, prometeu que a Suderj em breve vai resolver o problema da ventilação no Maracanã, que desde a última reforma tinha sido transformado numa sauna gigante. A ver.

* Elena Landau é economista e botafoguense


Leia no site do arquivo da Biblioteca Nacional
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