Mando de campo
As mudanças do tênis, se vierem a ser feitas, vão diminuir a influência do fator talento. O piso das quadras há décadas faz parte do tênis. É como mando de campo
Elena Landau*, Site no.com.br
21 de setembro de 2001
Com o argumento de que o esporte precisa se adaptar à realidade da televisão, a Federação Internacional de Tênis divulgou, esta semana, novas regras para entrarem em experiência já na Copa Davis do ano que vem. Se aprovadas, serão introduzidas no circuito internacional em 2003. Vão mudar as bolas – serão de três tipos diferentes, específicas para cada tipo de piso de quadra – e substituir um set por um tie-break.
A última medida tem o objetivo de acelerar o tempo de jogo, dando mais previsibilidade de horário às transmissões de partidas pela TV. À primeira vista a acabar com a influência do piso na performance de um tenista. Particularmente, discordo dessa modificação nas bolas. Acho que uma das grandes graças dos esportes é a estabilidade de suas regras, a maioria delas criada nas décadas iniciais do século passado, quando o futebol, o basquete e o tênis começaram a se tomar atividades de massa.
Mas não sou contra mudanças, desde que elas ajudem à viabilização financeira da prática profissional de um esporte ou favoreçam o talento e a emoção, Um ótimo exemplo disso foi a introdução da cesta de três pontos no basquete. Confesso que não sou especialista no esporte, mas como espectadora bissexta, acho que ela melhorou o jogo. Premiou os atletas com capacidade para enfiarem a bola na cesta lá do meio da rua e obrigou técnicos e times a se superar e desenvolver novas táticas de jogo. Em outras palavras, deixou claramente o resultado da partida nas mãos de seres humanos.
No caso das mudanças do tênis, acho que elas, se vierem a ser implantadas, vão diminuir a influência do fator talento no jogo. O piso das quadras há décadas faz parte do tênis. É uma espécie de mando de campo. Graças às diferenças entre eles, um jogador como Pete Sampras ganha um ar de vulnerabilidade no saibro. Ou alguém como Guga, escorado na sua obsessão, treina feito um desesperado, burila seu talento natural e ganha estatura de grande craque do circuito internacional do tênis porque prova sua capacidade de jogar em qualquer piso. Mexer no tamanho das bolas para acabar com algo que há anos faz parte da emoção do jogo me parece uma tentativa de nivelar por baixo. Essa situação ficará ainda mais patente no caso da Copa Davis.
Há décadas as equipes que disputam montam suas estratégias de competição levando em conta a questão do mando de campo. Ele só é ruim quando o jogo é na casa dos outros. Pode parecer bom reduzir à vantagem da Austrália em quadras de grama quando o jogo for lá, mas é bom lembrar que ele também vai deixar jogos feitos aqui, em quadras de saibro, de saída mais parelhos. Antigamente, combatia-se o mando de campo com inspiração, transpiração, criatividade e até alguma cartolagem – fazendo pressão para mudar tabela ou qualquer outra coisa que estivesse ao alcance de um dirigente esportivo. Hoje, apela-se a engenharia e tecnologia.
Em qualquer esporte, mando de campo faz parte do jogo e existe exatamente para dar vantagem a quem recebe o adversário em casa. É lógico que há exceções. O Botafogo, por exemplo, inverteu essa lógica e só consegue jogar decentemente na casa dos outros.
Sobre a outra modificação, substituindo o set por um tie break, provavelmente o jogador de melhor saque levará vantagem. Mas aí, é do jogo.
E interessante notar que não houve reação de fãs do tênis dizendo que o esporte ficou mais mercantilista ao ceder à TV. Já no futebol brasileiro, a televisão e o marketing são objeto de polêmica. O torcedor tem dificuldade em aceitar que nem sempre é possível combinar um futebol competitivo e a pureza do esporte.
O esporte, em geral, e o futebol em especial, fazem hoje parte da chamada indústria do entretenimento, São os recursos gerados pelo marketing, pela venda de material esportivo, pela venda antecipada de bilhetes e pela televisão que possibilitam a contratação de grandes craques. O Brasil, se quiser, pode ficar fora desta tendência mundial, mas ficará fora também do seleto grupo de grandes equipes de futebol, Enquanto aqui, a HTMF anuncia seu desejo de vender suas participações ao ver frustrada a perspectiva de mudanças que a Lei Pelé original prometia, a Adidas paga cerca de 80 milhões de dólares por uma participação no Bayem de Munique. Impossível competir com times europeus nesses termos.
Recebi mensagens de botafoguenses irritados com os critérios de televisionamento do Brasileirão. Reclamam que nem no sistema pay-per-view tem sido possível acompanhar o desempenho do artilheiro Rodrigo. Calma, gente. Pior é a situação do Flamengo e do Corinthians. Aparentemente, privilegiados com a transmissão em TV aberta, têm mostrado ao vivo e a cores para todo o Brasil a mediocridade de suas equipes. Alvinegros e palmeirenses estão em festa.
* Elena Landau é economista e botafoguense