Muita grana. Nenhuma esperança

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Muita grana, nenhuma esperança

Olhar o Brasil jogando mal, muito mal, contra um time incapaz de ganhar um torneio de várzea, brecou mais do que minha inspiração

Elena Landau*, Site no.com.br
08 de março de 2002

Esperei o fim do jogo contra a Islândia para fazer minha coluna. Devia tê-la escrito antes. Olhar o Brasil jogando mal, muito mal, contra um time incapaz de ganhar um torneio de várzea, brecou mais do que minha inspiração. Acachapou até mesmo minhas esperanças de torcedora apaixonada – as que eu um dia tive como ser humano racional foram embora há muito tempo.

Um jogo feito o de quinta-feira à noite, há menos de cem dias do início da Copa, não é um mero acidente. Acidente, ao que tudo indica, só vai acontecer se levantarmos o caneco no Japão. Nos últimos anos, o futebol brasileiro se preparou mesmo, com diligência, para um desastre. Brasil e Islândia foi o reflexo disso. Ainda não temos time e muito menos um padrão de jogo. Aparentemente, a única certeza que temos é que Ricardo Teixeira continua mais forte do que nunca.

Teixeira fortalecido é, por sinal, a principal herança que o ministro Carlos Melles deixa de sua passagem pelo ministério dos Esportes. As outras são o súbito esquecimento da Medida Provisória e o patrocínio da distribuição de dinheiro público para os dirigentes dos esportes olímpicos em troca de nenhum projeto.

A Fundação Getúlio Vargas fez um estudo, patrocinado pela Confederação Brasileira de Voleibol, mostrando que o esporte gerou mais de R$ 20 bilhões no ano passado, ou 1,7% do PIB brasileiro. Olhando os números, divulgados em reportagem da Gazeta Mercantil, pode parecer que nossos esportes vão muito bem, obrigado. Afinal, 20 bilhões é muita coisa. O problema é que poderia ser bem mais que isso. Quando Pelé fez a lei que levou seu nome, a participação do esporte no PIB já estava nesse nível. O craque, então ministro, estimava que a modernização do esporte que ocorreria em conseqüência das novas exigências legais levaria a mais de 3% sua participação no PIB nacional.

O estudo comprova a enorme capacidade de geração de empregos da atividade esportiva, coisa que os políticos de Brasília, e os responsáveis pela publicação da famosa Medida Provisória moralizadora do futebol, parecem não ter se dado conta. Também indica que, potencialmente, o esporte tem tudo para gerar mais arrecadação. A timidíssima ação no sentido de apertar os dirigentes deu resultado. O crescimento no pagamento de impostos foi surpreendente: R$3,1 bilhões, 21% a mais que em 1999 e 79% a mais que em 1995.

Imaginem qual teria sido este resultado se as leis que procuram implantar uma maior profissionalização da atividade esportiva tivessem sido implantadas.

As recomendações do estudo destacadas pela Gazeta Mercantil, tem o vício típico da cartolagem nacional: o remédio, como sempre, é o dinheiro do contribuinte. Elas repetem o padrão dos setores que preferem se esconder embaixo das asas do Estado Brasileiro: linha de crédito especial do BNDES e fortalecimento das parcerias do governo com a iniciativa privada. Nenhuma palavra sobre o trabalho em relação ao retorno de uma legislação que dê segurança ao investidor, que incentive a transparência das contas e que profissionalize a administração.

As róseas conclusões do estudo da FGV publicadas na imprensa contrastam com a cobertura diária das páginas esportivas. Os clubes estão quebrados, os jogadores continuam com os salários atrasados, os dirigentes acusados de desvios e por aí vai. Essa semana teve um presidente de um clube de futebol – queria evitar dizer qual porque fico com vergonha, mas o foi o do Botafogo – que ficou feliz com o incêndio que destruiu parte dos processos trabalhistas, liberando o clube do pagamento de suas dívidas.

O único consolo veio da notícia que no primeiro mundo a situação não está muito melhor. A França também sofre com a exportação dos seus craques e com o fraco desempenho dos seus times nas disputas européias. O diagnóstico de lá e parecido com o daqui, a legislação é muito restritiva e não incentivo o investimento no futebol. Também lá como cá, as acusações de desvio de conduta existem e o campeão das denúncias continua sendo o Blatter, presidente da Fifa. E ainda tem gente que acha que este senhor pode ousar tirar o Brasil da Copa caso seja aprovada uma legislação mais rigorosa para as entidades esportivas. Só pode ser piada.

Uma última observação sobre o triste jogo Brasil e Islândia. Espero que ele não tenha servido de teste para ninguém. Se tiver, corremos o risco de perder a chance de termos Kaká no time nacional. Como boa parte dos jogadores, Kaká não jogou de maneira brilhante contra os islandeses, o que não quer dizer absolutamente nada. O garoto anda batendo um bolão no São Paulo e, com ele no time, Felipão poderia ter um ataque jovem, como ele diz que gosta, mesmo convocando Romário. Com os dois na seleção, nosso ataque teria uma média de idade de 27 anos.

* Elena Landau é economista e botafoguense. Escreve às sextas-feiras.

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