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Ganhamos da Venezuela. Não foi bonito, apenas suficiente. Mas mantivemos o título de único país a ter participado de todas as Copas

Elena Landau*, Site no.com.br
16 de novembro de 2001

Ganhamos da Venezuela. Passamos raspando. Não foi bonito, apenas suficiente. Mas pelo menos mantivemos o título de único país a ter participado de todas as Copas do Mundo. Não é um feito qualquer. É muita coisa, algo de que o país tem tudo para se orgulhar. No entanto, nesse momento não há nada a celebrar. A partida contra a Venezuela, tradicionalíssima freguesa do futebol brasileiro, reflete nossa derrocada. Com o futebol que jogou nas eliminatórias, a seleção transformou um jogo historicamente fácil, tranquilo, numa contenda de proporções históricas, situação de vida ou morte.

Vamos confessar. Estávamos com medo. Em retrospectiva, é duro aceitar que o Brasil tremeu diante de um escrete tão ruizinho, comandado por um médico nepotista. Ninguém teve coragem, antes do jogo, de bancar uma vitória que sempre foi certa. Contrariando a covardia de seu esquema tático e a falta de confiança geral que ele acabou produzindo, Felipão soltou pela primeira vez o seu time. Não deu outra.

Em pouco tempo, fizemos primeiro gol. A malandragem de Edílson e a bobeira da arbitragem deram um fôlego para o time brasileiro. Finalmente com atacantes em campo, mostrou pelo menos um futebol mais divertido do que nas outras partidas. Sei que pode parecer obsessão mas não tenho dúvida que a participação do Juninho Paulista desde o início mudou a cara da equipe brasileira. Rivaldo até trocou de chuteiras. Tinha esperanças que as pretas pudessem trazer de volta o futebol esquecido na Espanha, mas não deu certo.

Edílson, Luisão, Marcelinho e Ronaldinho mostraram o óbvio: apesar de tudo, o Brasil continua produzindo ótimos jogadores. Não há razão para continuarmos seguindo como candidatos a bobo no futebol mundial. O passe do segundo gol, e a bola entre as pernas de Dudamel no segundo tempo, foram magistrais. No segundo tempo, a partida teve nível venezuelano. Mas deu para o gasto. A vitória veio fácil.

Apesar disso, o país, a seleção e a CBF continuaram se comportando como se tivéssemos trucidado Golias. Roberto Carlos, homem de pose e senso geralmente ridículos, conseguiu se superar. Ao apito final, correu para tirar a bola do jogo das mãos de um venezuelano. Queria um troféu para celebrar a vitória no jogo e a tão suada classificação. É duro. O Brasil de antigamente celebrava coisas bem mais relevantes no futebol. As manchetes sobre a partida seguiram o mesmo diapasão ufanista e a população investiu no seu eterno otimismo.

As pesquisas de opinião mostram que voltamos a nos considerar reis do futebol, o país que tem mais chances de voltar com o caneco para casa. Calma, pessoal. Valeu o jogo, valeu a vitória, mas não dá para ficar festejando muito. Afinal, a Venezuela deve ser um dos poucos bobos do atual futebol mundial. Ela joga como se ainda vivêssemos no tempo em que o Brasil, como diz seu técnico, ainda amarrava cachorro com linguiça. Emerson, cuja cabeça habitualmente funciona melhor que os pés, foi sensato: “sabemos que temos de melhorar muito, mas agora teremos tempo”. São 196 dias até a Copa. Se a desorganização do futebol continuar imperando, será muito pouco tempo.

Há esperanças. Menos pelas CPIs – que até agora produziram apenas mornos resultados – ou pela ação das autoridades – Receita Federal e Ministério Público, sempre tão diligentes, mostram no mínimo tibieza diante da óbvia necessidade de devassar o futebol brasileiro. As esperanças são fruto do que anda acontecendo nas quatro linhas. Ninguém gosta de torcer contra. Mas deve-se reconhecer que, quando a seleção joga esse futebolzinho chinfrim, a vida de Ricardo Teixeira e de sua tropa na CBF ficam mais complicadas. A incompetência e a falta de transparência tornam-se mais claras.

Do mesmo modo, no Brasileirão, os clubes que escolheram um caminho novo, escorado na administração profissional, planejamento e organização, seguem dando sova nos representantes maiores da velha estrutura do futebol. Os dois Atléticos, o São Caetano, o Fluminense e o Internacional vão ensinando como é que o futuro deve ser para Flamengo, Vasco e Corinthians, entre outros, times que fizeram parceria com investidores importantes, mas que continuam a ser administrados como mercearias. É nessa lição que reside a aposta mais concreta para reverter a derrocada do futebol brasileiro.

* Elena Landau é economista e botafoguense


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