Nivelando por baixo

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Nivelando por baixo

Gente como Felipão e Zagallo, se deixados em paz pelos dirigentes, arrumam até timeco. Mas Joel Santana e Carpegianni são dois técnicos que têm mais fama do que substância

Elena Landau*, Site no.com.br
17 de agosto de 2001

Felipão acertou. Ao levar o jogo contra o Paraguai no Estádio Olímpico, apostou no seu prestígio junto à torcida gaúcha e conseguiu um apoio para a seleção que, dificilmente, ela teria em estádios de Rio ou São Paulo – praças em que a paciência com o time já chegou ao limite. Os gaúchos receberam o time no maior entusiasmo, o que foi provavelmente ótimo para os nervos esfrangalhados de nossos jogadores. Os organizadores do jogo é que quase colocaram tudo a perder, ao inventarem um arranjo que conseguiu destruir o hino nacional.

A torcida bem que fez um esforço danado para acompanhar aquele vocalise cafona e fora de ritmo. Felizmente, o hino não abalou os jogadores e o time começou com um volume de jogo avassalador. Pressionando a saída de bola do adversário, marcando gol em menos de cinco minutos e fazendo ótimas triangulações pelas pontas, deu a impressão de que o futebol brasileiro tinha, finalmente, reaparecido dentro de campo. Mera ilusão. Terminamos o primeiro tempo e começamos o segundo jogando aquele futebolzinho medíocre a que já nos acostumamos.

A única exceção foi Roberto Carlos, que se comportou como craque ao longo de todo o jogo. Continua com a pinta de quem, como dizem os franceses, é remplis de sois même. Mas não teve medo, em nenhum momento, de arriscar dribles, lançamentos e tabelas em espaços curtos para chegar ao gol do adversário, Se o preço, para vê-lo atuando dessa maneira, é aturar sua máscara, eu topo.

Rivaldo, o outro nome de grande fama no time, fez até gol. Mas, no fundo, continuou sumido em campo. Confesso, no entanto, que prefiro vê-lo no time. Mesmo não jogando tudo o que sabe, sua presença sempre deixa o espetáculo mais bonito. Faz pouco, é verdade. Mas quando faz, faz de um jeito que é pura beleza, coisa de craque. Até andando em campo ele causa impressão. Por isso, sou a favor de investir um pouco na nossa paciência. Um dia, quem sabe, ele finalmente desencanta e se torna tão arrasador quanto é no Barcelona.

O que eu continuo sem entender é a presença de jogadores de medianos para baixo na seleção, gente como Eduardo Costa, Tinga, Roque Jr. e Cris. Nos melhores momentos do jogo – princípio do primeiro tempo e, depois, no segundo, com Denilson em campo – quando gente como Roberto Carlos, Marcelinho e Beletti brilhava, o contraste era horrendo. Bola nos pés de Roque Jr ou Cris resultavam em chutões. Tinga e Eduardo Costa mal acertavam seus passes.

Recebiam a bola redonda e a repassavam absolutamente quadrada para um companheiro. Numa situação dessas, o jogo da seleção acaba, inevitavelmente, se nivelando por baixo – mais para Roque Jr. do que para Roberto Carlos. Será que o Barcelona de Rivaldo teria o mesmo poderio de jogo se, em meio aos seus craques, tivesse atletas como Cris e Eduardo Costa? Duvido.

De qualquer maneira, Felipão merece elogios. Mandou o time atacar o tempo todo – coisa rara nesse futebol brasileiro cheio de técnicos retranqueiros. Também levou à campo uma equipe que começa a mostrar um mínimo de padrão de jogo. Felipão é o tipo de técnico que, pelas suas qualidades, merece o benefício da dúvida. Tendo tempo e condições, ele certamente conseguirá arrumar o time. A vitória de quarta, como ele mesmo admitiu, deu-lhe a sobrevida para continuar seu trabalho.

No Brasil, cristalizou-se a visão de que os cartolas demitem técnicos com à mesma frequência que trocam de roupa e que isso é ruim. Discordo. Acho que depende do técnico, Gente como Felipão e Zagallo, se deixados em paz pelos dirigentes, arrumam até timeco. Agora, no caso de Joel Santana e Paulo Cesar Carpeggiani, demitidos na terceira rodada do Brasileiro, acho que Vasco e Cruzeiro estão de parabéns.

Joel e Carpeggiani são dois técnicos que têm mais fama do que substância. Se sobressaem às vezes nos campeonatos estaduais e é só. O técnico que ganhou a Copa João Havelange para o Vasco foi Osvaldo Oliveira. O mérito de Joel foi não mexer muito naquele time. Carpeggiani, como acontece na sua carreira com irritante frequência, recebeu um Cruzeiro cheio de bons jogadores e não conseguiu produzir absolutamente nada.

Torcida é coisa difícil de agradar. Mas tem técnico que merece toda a paciência do mundo. É o caso do Fluminense. Oswaldo Oliveira tem excelente currículo e, na sua carreira, mostrou total capacidade para ajeitar times. Os tricolores deviam se mirar na elogiável atitude da torcida do Flamengo, que preservou Zagallo do desastre administrativo do clube.

A direção do Flamengo tem a desculpa de ter desmontado o time para acertar dívidas. Não é uma boa desculpa, mas é alguma. Pior é o Botafogo, que sempre troca para pior. Vendo o Leonardo Inácio jogar, dá a maior saudade do Jefferson. E a troca do Valdson pelo Cláudio? Inexplicável. Será que foi para acertar as contas? Difícil de imaginar.

* Elena Landau é economista e botafoguense

Leia no site do arquivo da Biblioteca Nacional
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