O exemplo veio de cima

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O exemplo veio de cima

Cresci ouvindo minha mãe dizer que o exemplo vem de cima. Me lembrei dela quando vi as manchetes sobre a invasão do centro de treinamento Rei Pelé pela torcida organizada do Santos

Elena Landau*, Site no.com.br
02 de novembro de 2001

Cresci ouvindo minha mãe dizer que o exemplo vem de cima. Me lembrei dela quando vi as manchetes sobre a invasão do centro de treinamento Rei Pelé pela torcida organizada do Santos. Com a desorganização do futebol e os desmandos dos cartolas, que cuidam de seus times como se fosse a Casa da Mãe Joana, não é surpresa que os torcedores tenham perdido qualquer respeito pelos profissionais do futebol.

A maior vítima da invasão foi um segurança, coitado, que nada tem a ver com o desempenho do time ou da diretoria, mas acabou espancado pela torcida. Seu destempero recebeu a aprovação do técnico Cabralzinho – aliás, um dos principais alvos da ira da torcida.

O técnico elogiou o vandalismo. Achou essa uma boa forma de injetar ânimo no time e fazer os jogadores terem vergonha na cara. Incrível. Deve ter sido por medo de apanhar, possibilidade real naquele instante, ou de perder o emprego. Transformadas em sustento político da cartolagem, as torcidas organizadas ganharam poder nos clubes até para mandar técnico embora. Que o diga Celso Roth, demitido do Palmeiras por, principalmente, pressão da torcida.

Histórias desagradáveis como essa, envolvendo as torcidas organizadas, têm se multiplicado nos últimos tempos: são atos de vandalismo, violência nas arquibancadas, relacionamento com cambistas, conchavos com dirigentes. Não considero mera coincidência a ocorrência desses episódios em paralelo ao desmoronamento institucional do futebol. Torcida organizada é coisa, em princípio, ótima.

Enfeita os estádios e é uma presença constante e abnegada, acompanhando o time em todos os jogos, clássicos ou não, estádio grande ou pequeno. Nada substitui a ida ao estádio para cantar a escalação do time, provocar a torcida adversária e se emocionar quando a torcida puxa o hino do clube.

Infelizmente esse espírito alegre parece ser coisa do passado. Quando vejo tape dos jogos antigos, além da qualidade dos jogadores, chama a atenção as bandeiras dos times tremulando. Hoje os símbolos dos clubes foram substituídos por imagens que nada tem a ver com o espetáculo, de Bin Laden a Bob Marley, passando por frases de guerra.

O afastamento dos torcedores dos estádios começou com a violência nas arquibancadas e foi agravada com a insegurança na hora da volta para casa. As organizadas estão chegando ao cúmulo de brigarem até mesmo internamente. Agressões contra torcidas adversárias já viraram parte do jogo.

Não se pode mais ir ao futebol com a camisa do time. Corre-se o risco de apanhar na saída do estádio se houver o infortúnio de encontrar gente das organizadas no meio da rua. Assistir jogo com camisa de torcida organizada é pior ainda. Funciona quase como uma autorização para apanhar ou bater. É uma espécie de violência consentida e esperada.

As torcidas organizadas se profissionalizaram, mas pelo caminho errado. Colocaram a paixão em segundo plano. Se envolveram com a administração dos clubes, de quem inclusive passaram a depender para sobreviver. Têm uma postura mais política do que esportiva e se arvoram em porta-vozes da massa de torcedores. Escorados nesse contexto, acham que podem invadir o campo e agredir jogadores.

Recentemente a torcida do Vasco passou a hostilizar Romário. O furor do torcedor da organizada veio como troco à recusa do jogador em patrocinar um churrasco. Esta semana num jornal de São Paulo apareceu notícia dando conta que os Gaviões da Fiel estavam exigindo de Luxemburgo 200 mil reais para financiar o seu carnaval. Quem deu esse direito à torcida? Foi ela que contratou o técnico do Corinthians?

No caso do Romário, o tiro saiu pela culatra. Craque como só ele atualmente sabe ser, calou os protestos marcando gols. A torcida organizada do time queria o churrasco, desafiou o jogador e testemunhou apenas seu crescimento em campo. Como subproduto de todo este episódio, deixou Edmundo desempregado. É como diz o ditado: Deus escreve certo por linhas tortas.

Por falar em Romário, é bom o Fluminense se cuidar para não frustrar sua torcida de novo. Esse negócio de morrer na praia não dá mais. Aquele segundo gol do Vasco foi um esculacho. Mais uma vez o baixinho faz um gol de cabeça sem nenhum esforço. Desta vez foi de joelhos e com a virilha machucada.

O Fluminense anda precisando se cuidar mesmo porque seu próximo adversário é o Flamengo. Apesar do bom desempenho do time rubronegro na Mercosul, ele está numa situação delicada no Brasileirão. A operação “não deixe um time grande cair” já começou com a mudança da tabela deste fim de semana e a liberação de Juan e Edílson da seleção. De quebra, desmoralizou a idéia de calendário organizado.

O Atlético Mineiro não perde tempo e não vacila na sua campanha pela classificação – partiu para a contratação do excelente lateral Felipe para substituir Ronildo, que se machucou. Por falar em Felipe, quando é que o Felipão vai convocar o outro Juninho e tirar o Paulista do banco?
E por fim, bem-vindo Andrei, um sopro de esperança para a torcida alvinegra.


* Elena Landau é economista e botafoguense

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