O império do medo
Wanderley Luxemburgo não falha. Toda vez que emite alguma opinião sobre futebol, distribui críticas para todos os lados
Elena Landau*, Site no.com.br
12 de outubro de 2001
Wanderley Luxemburgo não falha. Toda vez que emite alguma opinião sobre futebol, distribui críticas para todos os lados com o objetivo de proteger a figura do técnico. Esta semana, o douto professor criticou a tabela do campeonato brasileiro, que como qualquer tabela de qualquer campeonato de qualquer modalidade esportiva no mundo, reserva para a reta final aquelas partidas com potencial para gerar melhor competição e, portanto, maior público.
Luxemburgo é contra a concentração de clássicos na reta final do brasileiro. Clássicos seguidos aumentam a possibilidade de instabilidade e, portanto, de demissão dele e de seus colegas de profissão. Parece que o técnico é no fundo uma vítima – dos avanços dos adversários, da decadência técnica de seus jogadores, dos disparates dos dirigentes, das cobranças da torcida – que, se deixado em paz para trabalhar, salva qualquer pátria, seja num clube, seja na seleção.
Suas declarações não são surpreendentes. Desde que, por obra da geração de técnicos como ele, Leão e Felipão, transformou-se o cargo de técnico numa instituição acima do bem e do mal, o futebol brasileiro foi gradativamente tomando horror à competição e ao risco. É isso, no fundo, o mal que assola o nosso futebol dentro do gramado. Quando um técnico escala três zagueiros e dois volantes contra um time freguês como o do Chile, ele não demonstra vontade de ganhar. Apenas medo de perder.
A opção pela mediocridade vem de longe. É sempre bom lembrar que Edilson, hoje utilizado como exemplo do futebol arte, foi cortado da seleção por doutor Luxemburgo, justamente porque deu vazão ao seu lado moleque e fez embaixadinhas num jogo entre Corínthians e Palmeiras. Luxemburgo, à época, considerou o ato um desrespeito. Mas silenciou sobre a reação desmesurada de Paulo Nunes que partiu resoluto para quebrar a cara do colega.
Verdade seja dita, alguns colegas da imprensa, que agora também reclamam da falta de arte no futebol, apoiaram o técnico naquela época. Por isso mesmo, a polêmica levantada esta semana pelo técnico da seleção, menosprezando os craques do passado, é falsa. Dentro do esquema atual de Felipão, aonde vicejam Emersons e Juninho Paulista fica no banco, o mundo não chegaria a ver Garrincha vestir a camisa da seleção, mesmo porque, ao primeiro lampejo de genialidade, viria um brucutu para decepar-lhe as pernas sob a complacência do juiz e o aplauso do técnico.
Com essa mentalidade imperando dentro do gramado, o futuro das novas ligas cheira à desastre. Afinal, um dos motivos aventados para a sua criação é justamente realizar jogos que sejam dignos da qualificação de clássicos. Se os técnicos se assustam com essa possibilidade, armam seus times na defesa, em torno de jogadores hábeis na pancadaria, o máximo de espetáculo que vamos ver é algo semelhante ao último Brasil e Chile. É pouco.
O Botafogo do Rio
Sou botafoguense, completamente apaixonada pelo time e, por isso mesmo, me policio demais para não ficar utilizando este espaço apenas para falar do meu clube. Mas é difícil resistir aos apelos da torcida. Com o desempenho recente do time,venho recebendo uma avalanche de mensagens emocionadas de alvinegros achando que o Botafogo vai sumir. Na batida em que segue, talvez ele não suma mas certamente se encaminha para ser conhecido mais como bairro do que como clube de futebol. E isso no Rio de Janeiro.
Para o resto do país, seremos apenas outro Botafogo. Dá uma dor no peito ouvir a TV Globo qualificar o Glorioso como o Botafogo “do Rio”. Até um tempo atrás, para a audiência da Globo, Ribeirão Preto tinha um Botafogo mas o Botafogo mesmo era o do Rio. Ele era tão Botafogo que dispensava a qualificação geográfica. Não mais.
O pior é que as chances de recuperação são cada vez menores. A atual diretoria empenhou toda a capacidade futura de geração de receita do clube para montar um timeco, cujo desempenho, por sinal, nem parece incomodar os cartolas. Só abrem a boca para disciplinar jogadores que reclamam do atraso de salários. E nessa lá se foi o Valdson e ficamos com Denis, Junior e Wilson. Pior, a realidade parece não bater à porta: vem Dodô para ficar no banco.
O Botafogo saiu de jogo há alguns anos. Como diz um leitor, “Somos hoje um clube pequeno com uma grande torcida”, lembrando que há três anos o time não disputa títulos, entra em campeonatos apenas com o humilhante objetivo de não ser rebaixado. E pior não tem nenhum craque. Para um time que já contribuiu com jogadores como Nilton Santos, Garrincha e Jairzinho, é realmente muito triste. É, mas isso foi no tempo que a gente amarrava cachorro com salsicha. Bons tempos.
Diante desse quadro, chega a ser comovente descobrir que ainda tem gente, como o leitor Marcelo Barreto, ele próprio de uma geração sofredora,com seus 33 anos, cujos quatro filhos são alvinegros apesar de tantas derrotas e tantas frustrações. É um verdadeiro feito. Time que não faz história não gera torcida. E sem torcida, qual o futuro de um time?
* Elena Landau é economista e botafoguense