O velho ano novo
Na final do Brasileirão, a Globo lançou uma pergunta no ar: qual o fato mais marcante para o futebol brasileiro no ano de 2001?
Elena Landau*, Site no.com.br
28 de dezembro de 2001
Na final do Brasileirão, a Globo lançou uma pergunta no ar: qual o fato mais marcante para o futebol brasileiro no ano de 2001? Deu quatro opções. A campanha das eliminatórias, a derrota
para Honduras, a CPI ou a final entre Azulão e Furacão.
Nem me preocupei em saber qual a opção vitoriosa porque para mim as quatro possibilidades refletem uma única situação de desmonte do tradicional futebol brasileiro, consequência inevitável do recuo do governo em relação à lei Pelé. Essa caminhada ladeira abaixo começou com a Medida Provisória encaminhada pelo então Ministro Greca em 1998, que matava a recém-nascida profissionalização do futebol brasileiro. Literalmente, jogaram fora a água do banho com o bebê dentro. Vencido pelo lobby poderoso e eficiente da cartolagem, Greca que entendia mais de festa do que de esporte, deu o chute inicial do jogo que afundou de vez o futebol no Brasil.
A MP de Greca, e sua regulamentação, abortou um processo de reorganização do futebol. Investidores, nacionais e estrangeiros, perceberam o enorme potencial do esporte como negócio e várias parcerias começaram a ser montadas ainda em 1997. Como todo processo de mudança cultural, resistências eram esperadas, assim como era natural também que o processo de mudanças fosse lento e contínuo. O que não se previa era que o próprio governo que promulgou a Lei Pelé a destruísse, afastando novos interessados, concentrando o poder de fogo financeiro nas mãos de meia dúzia de clubes que já haviam assinado suas parcerias – algumas delas acabaram em desastres, como no caso de Vasco e Flamengo, principalmente por causa da irresponsabilidade dos investidores.
Era previsível desde o final de 1998, e mais claramente em 1999, o resultado dessas idas e vindas na política esportiva no Brasil. A crise da CBF e a vergonhosa campanha da seleção nas mãos de três diferentes treinadores são conseqüências naturais desse descaso. Melhor assim. Senão estaríamos empurrando com a barriga a estrutura apodrecida da CBF, das Federações e de muitos clubes de futebol. Mas ainda há muito a fazer. E é preciso correr. Estamos a seis meses da Copa e ninguém vai aguentar encarar mais um vexame.
O fato mais positivo do ano na minha opinião e voltando à pesquisa da Globo, foi sem dúvida a final do Brasileiro, que premiou dois times que fizeram a melhor campanha ao longo de todas as fases. A taça ficou em ótimas mãos. O Atlético Paranaense teve o ataque mais positivo da competição. Esses clubes marcam também uma nova tendência fora de campo: organização e planejamento. Na prática, do ponto de vista das finanças desses clubes isso significa uma redução nos custos, isto é, teto para a folha salarial.
Com a mudança da legislação para o futebol profissional, todos clubes deverão seguir caminho semelhante se quiserem participar das competições. Só não sei quando os grandes times vão começar a cair na real. Aqui no Rio, por exemplo, está difícil de entender o que se passa. O Vasco conseguiu o milagre de uma nova parceria com a NovaMedia, que injetou recursos. Com isso, conseguirá manter o Romário. No entanto, nada se sabe das brigas judiciais que começaram pela falta de pagamento de salários e encargos trabalhistas: o clube vai acertar com seus atletas ou continuar contando com a ajuda das manobras processuais que a Justiça permite? O rito processual tem se mostrado totalmente inadequado à atividade esportiva pois os jogadores ficam parados à espera de uma decisão sobre sua situação profissional, sendo prejudicados independentemente do resultado final da ação. O Flamengo perde Beto e, talvez, Pet por atraso no pagamento dos salários. No entanto, anuncia a contratação de Euler e Juninho Paulista. Se não podia pagar os que saem porque vai pagar os que entram?
Beto vai para a Grécia abrindo uma nova tendência que é a ida de jogadores brasileiros para clubes de segunda linha na Europa. São caros para os nossos novos padrões mas ao mesmo tempo tecnicamente inferiores ao que precisam ser para ir para os times europeus de primeira linha. Antes que comecem a escrever mensagens agressivas em defesa do Beto, aviso aos rubronegros que gosto muito deste jogador, afinal ele foi campeão brasileiro pelo Fogão.
O Fluminense, que não podia perder a semi-final com risco de entrar em uma crise financeira, cobriu em muito a proposta do Corinthians e manteve Oswaldo de Oliveira e sua comissão técnica, mesmo tendo perdido a presença na Libertadores. De onde saíram os recursos? Resta o Botafogo, o único a anunciar novos tempos. A vinda de Bebeto de Freitas fala por si só.
O difícil para qualquer dirigente ou administrador do futebol de um clube é lidar com a exigência e a impaciência da torcida. O torcedor quer títulos e não está querendo entender o porquê da crise e do mau desempenho do seu time.O resultado da pesquisa da Globo mostra claramente isso: para o brasileiro o fato mais marcante foi a campanha das eliminatórias, deixando para trás a CPI.
No entanto, se os clubes forem realmente seguir o caminho da organização e planejamento o ano de 2002 será um ano de arrumação, não vai haver time grande ou pequeno pois todos estarão se adaptando aos novos tempos. Azulão e Furacão saíram na frente e mostraram que, no longo prazo, seriedade dá título.
Para quem 2001 não deixará saudades, não se entusiasme muito com 2002. Por falar em ano que vem, estarei em recesso como colunista ao longo do mês de janeiro. Volto tão logo a bola comece a rolar no Rio-São Paulo
* Elena Landau é economista e botafoguense