Pelé, cuidado com o Pelé
Criada com o objetivo de reformar as estruturas do futebol brasileiro, comissão dá a pinta de estar envolta na mesma urucubaca
Elena Landau*, Site no.com.br
22 de novembro de 2001
Criada há quatro meses com o objetivo declarado de reformar as estruturas do futebol brasileiro, a comissão de notáveis formada por Ricardo Teixeira, Pelé e o ministro Carlos Melles, dos Esportes, dá a pinta de estar envolta na mesma urucubaca que andou cercando a presidência do Senado. Claro que não é tão simples assim. Mas a comparação é irresistível.
Primeiro detonou-se Antonio Carlos Magalhães. Depois foi-se Jader Barbalho. Com a comissão de notáveis do futebol parece que está acontecendo a mesma coisa. Ricardo Teixeira mal conseguiu passar um mês sustentando a dignidade de seu novo título. Assolado pela desorganização do futebol, o pífio desempenho da seleção nas eliminatórias e soterrado por nova leva de denúncias sobre falta de transparência, acordos estranhos e contratos de gaveta, Teixeira sumiu.
Agora parece ser a vez de Pelé, acusado de lucrar US$ 700 mil num evento, jamais realizado, em benefício do grupo para o qual Pelé, desde seu histórico gol 1000, defende uma ação caridosa e assistencial radical: as criancinhas. Se o Rei pegou ou não o dinheiro, isso ainda há de ser esclarecido – embora as reportagens publicadas pela imprensa deixem pouca margem de dúvida de que há algo no mínimo estranho, não necessariamente ilegal, em todo o episódio.
O que choca é a maneira como ele se comporta diante de uma denúncia que o afeta. Não é muito diferente do que tem feito Teixeira diante das denúncias que questionam sua moralidade e sua competência. Confrontado com a investigação da Folha de S. Paulo sobre o assunto, Pelé primeiro tentou ficar quieto. Depois alegou desconhecimento do assunto – talvez o Rei ganhe tanto dinheiro que é de fato fácil esquecer de um contrato que rendeu à sua empresa US$ 700 mil – preferindo assumir o papel do idiota enganado pelos sócios. Agora, comporta-se como vítima da imprensa.
Pelé não merecia isso do próprio Pelé. Talvez o maior herói brasileiro do século passado, homem que tanto fez pelo nosso futebol e pelo orgulho nacional, o Rei deveria levar em conta seu passado e o que ele representa para o Brasil para responder as acusações que agora recaem sobre ele. Esperava-se que no mínimo ele desse explicações mais claras sobre como foi enganado no episódio. No máximo, que se comprometesse a devolver o dinheiro caso fique comprovado que ele de fato foi obtido de forma escusa. Melhor mesmo seria que ele devolvesse tudo já e entrasse na Justiça buscando ressarcimento de seus malvados sócios.
Além de ensinar que nem mesmo deuses, como Pelé, ficam naturalmente acima do bem e do mal, essa história encerra mais uma lição: é difícil conviver com essa estrutura que domina o futebol brasileiro sem ficar contaminado por ela. Quando Pelé aderiu à comissão de notáveis, esmagando as esperanças daqueles que viam nele um símbolo de tudo aquilo que é bom no futebol, capaz de mobilizar pessoas e instituições em favor de uma revolução, muita gente estranhou. Vê-se agora que talvez a atitude não tivesse nada de estranho. Para Pelé, pode ter sido apenas mais um passo.
Evidências
Se ainda existem dúvidas de que o futebol está todo errado no Brasil, aqui vai nova evidência. Grêmio e Flamengo jogaram ontem pela Mercosul em situações diametralmente opostas. Na rabeira do Brasileirão e com um time destroçado por intrigas, o rubro negro chegou a partida contra o Grêmio com seus jogadores irritados pelo atraso de 4 meses nos salários e justificadamente indignados com a fama de mercenários. O time gaúcho, já classificado para a fase final do Brasileiro, vive ótima fase e os jogadores estão felizes porque o salário de outubro foi pago no meio desta semana. No futebol nacional, até quem está bem não consegue manter suas contas em dia.
Matemática
O Brasil foi ultrapassado pela Argentina no ranking da Fifa. É sempre duro perder qualquer coisa para nossos irmãos do sul, mas nada é tão duro quanto entender a matemática por detrás desse ranking. Diante do futebol e dos resultados que vem apresentando, é inexplicável a manutenção do Brasil na terceira posição do futebol mundial.
Mais inexplicável do que isso só a dupla personalidade do Rivaldo, que ainda deve à torcida uma atuação de craque na seleção brasileira, mas que inevitavelmente come a bola toda a vez que veste a camisa do Barcelona. No jogo do Brasil contra a Venezuela – talvez o único time de bobos que resta na América do Sul – Rivaldo jogou como um venezuelano. No fim de semana, na partida entre Barcelona e Liverpool, o bicho se comportou como um craque brasileiro. Acabou com o jogo.
* Elena Landau é economista e botafoguense