Perguntas
O esporte, em especial o futebol, é quase um bem público. A nação toda participa, sente a camisa da Seleção como propriedade pessoal
Elena Landau*, Site no.com.br
22 de junho de 2001
A CPI do futebol, na Câmara, terminou sem marcar um mísero gol. À sessão de votação do relatório final foi um reflexo do futebol brasileiro: uma bagunça. À situação é tão preta que começo a ficar otimista. Uma virada há de acontecer. Não posso imaginar que o Brasil deixe o futebol acabar. A ida do Felipão para a Seleção, a volta de um punhado de craques ao time e a vitória do Grêmio na Copa Brasil, demonstrando a importância de um bom esquema tático, deixam ver uma luz no fim do túnel.
O desfecho da CPI da Câmara não causa surpresa. Afinal, ela começou torta – como a CPI da Nike e não do futebol. O artigo 217 da Constituição Federal garante a autonomia das entidades desportivas quanto à sua organização e funcionamento, pela lei, a CBF pode contratar o patrocinador que bem entender. Se houve ilegalidade, ou crime, é questão para a Receita Federal e a Justiça decidissem. O difícil é julgar se o contrato da Nike é ou não prejudicial ao futebol brasileiro.
Até porque a questão básica, que permitiria uma avaliação mais objetiva, permanece intocada: o que fazer como artigo 217? É possível enquadrar os dirigentes de entidades desportivas em crimes de improbidade administrativa? Como limitar a independência destas entidades e seus dirigentes? Para responder tais perguntas não é preciso uma CPI e sim atuação legislativa. Por que os mesmos deputados que criaram à CPI deixaram passar a oportunidade de debate e mudança aberta na votação da Lei 9981 que descaracterizou a Lei Pelé?
Tratar da autonomia das entidades esportivas não é tarefa trivial. O esporte, em especial o futebol, é quase um bem público. A nação toda participa, sente a camisa da Seleção como propriedade pessoal. Se o país ganha é só orgulho e felicidade. Se perde, em especial para a Austrália, é uma vergonha nacional. A questão é como criar uma legislação que incorpore esta característica, do esporte como uma espécie de bem público, e ao mesmo tempo mantenha à lógica da administração privada. O fundamental é fortalecer regras é métodos que permitam que os esportes possam atrair capitais privados. Nada de incentivo fiscal. Mesmo porque incentivo nada mais é que recurso público.
A tentação para apelar para este tipo de dinheiro é sempre grande, Recentemente foi divulgado um estudo sobre esportes olímpicos feito pelo Comitê Olímpico Brasileiro. Vou direto a conclusão: falta dinheiro. O COB pretende ver dinheiro do governo cobrindo este buraco no seu caixa. Podia ao menos explicar para o bravo povo brasileiro como gasta o que ele já recebe hoje do contribuinte. Quanto disso para na burocracia? Quanto chega efetivamente às atividades esportivas?
O mesmo estudo responde: 20% dos recursos vão para Administração e Gerenciamento, seja lá o que isto significa. O mesmo percentual que vai para o item Equipe Olímpica Permanente e mais que o total direcionado para Formação de Atletas e Formação c Atualização de Profissionais, que juntos recebem 15% do total. Quer mais? Para o quadriênio 2001/2004 o estudo propõe R$ 93 milhões para o Comitê Olímpico Brasileiro, É mais do que o previsto para o vôlei, o atletismo e à natação juntos (27,8 milhões para cada). Provavelmente por conta de patrocínios, o vôlei de praia, hoje um dos nossos destaques olímpicos, demanda quase nada. Talvez fosse o caso de a burocracia também arranjar um patrocínio e liberar recursos para as atividades fim, que é o que interessa, afinal já temos um Ministério de Esportes para cuidar da gestão esportiva.
Se for politicamente inevitável apelar para incentivos fiscais, os recursos assim arrecadados deveriam constituir um fundo que siga uma política nacional de esportes. Esta deve priorizar a dobradinha educação e esporte. Não faltam exemplos no mundo de nações olímpicas dignas deste nome que só chegaram lá porque investiram na base e através da educação conseguiram a geração de uma massa de atletas.
Se a decisão do investimento for na base do projeto a projeto, seguindo a ótica da empresa beneficiária dos incentivos fiscais, o resultado seria sem dúvida mais vôlei de praia ainda. Na orla das grandes cidades, é claro, onde estão os ricos. Afinal de contas, que interesse teria o patrocinador de levar sua marca a regiões de baixa renda?
Enquanto uma CPI do futebol se encerra na Câmara, outra, do Senado, entra em momento decisivo. Tudo indica que ela, além de investigações e punições, trará propostas de reorganização do esporte brasileiro. Na minha opinião, três temas são fundamentais para serem tratados por esta Comissão: transparência, responsabilidade fiscal e representação – por falar nisso, alguém aí sabe como é eleito o presidente de um clube, de uma federação, de uma confederação, da CBF, do COB?
* Elena Landau é economista e botafoguense