Que Liga será essa?

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Que Liga será essa?

Numa empresa privada de verdade, Teixeira já teria seus dias contatados como presidente ou já teria pedido demissão, por falta de credibilidade junto aos acionistas

Elena Landau*, Site no.com.br
24 de agosto de 2001

Dependendo de seus desdobramentos, o noticiário sobre a gestão temerária na CBF pode ter consequências positivas. Para tanto, é necessário que, além de investigar os cartolas, discuta-se também a organização do futebol brasileiro, seu sistema de representação e a inexistência de normas e regulamentação para lidar com situações como a que vivemos atualmente.

Antes de mais nada é preciso reconhecer que o levantamento das informações divulgadas pela Globo só se deu em função da instalação de duas CPIs. Isto é duplamente ruim. Primeiro para a imprensa, que precisa explicar por que, só agora, começou a investigar o caso. Em segundo lugar, deixa claro que faltam ao Brasil mecanismos de controle da sociedade nas entidades esportivas.

A Confederação sempre alegou que não deve satisfações a ninguém já que, por lei, é uma entidade autônoma. Seu representante legal voltou a afirmar exatamente isto, esta semana, como desculpa para não responder às acusações.

E este seja talvez seu principal problema. As CPIs que levantaram as informações sobre irregularidades refletem uma situação anômala. De fato, a CBF é uma entidade privada. Mas não é familiar. O drama é que os dirigentes do futebol a tratam como se familiar fosse.

No mundo privado existem dois tipos de companhia: a de um só dono, que faz o que bem entende; e as de controle compartilhado, que tanto pode ser uma empresa familiar com vários herdeiros ou uma empresa com muitos acionistas sem qualquer vínculo sanguíneo entre si. Em toda companhia de controle compartilhado, escolhe-se um presidente para comandá-la. Mas existe um conselho de administração, composto por representantes dos acionistas, para justamente exercer um controle independente sobre à gestão. As auditorias, por exemplo, respondem o Conselho, e não ao presidente. Numa sociedade anônima, os conselheiros, por exemplo, obrigam-se a votar de acordo com os interesses da sociedade e não dos sócios a quem representam. É assim que as coisas funcionam nas empresas privadas.

Conceitualmente, a CBF é tipicamente uma empresa privada de controle compartilhado. Tem que ter um executivo e ser submetida a auditorias que respondem ao Conselho de Administração. O conselho pode demitir o principal executivo a qualquer momento, respeitando as cláusulas do seu contrato de trabalho. O primeiro erro da CBF é não ter uma diretoria profissional, que tenha um contrato de trabalho que a submeta a avaliações por desempenho. Sua atual diretoria, além de quase nunca ter seu desempenho analisado regular e objetivamente, recebe salários, coisa que não é permitida por seus estatutos.

As federações estaduais de futebol vêm mantendo esta ordem de coisas e Ricardo Teixeira no poder desde 1989. Os presidentes das federações estaduais, por sua vez, são eleitos pelos presidentes de clubes de futebol. Na próxima eleição a novidade é que, além das federações, os clubes poderão votar diretamente no presidente da CBF. Ao longo desta semana, vimos um grande número de presidentes de clube de futebol, de associação e de federações retirando seu apoio a Ricardo Teixeira. Em sua defesa, apenas o advogado da CBF.

Numa empresa privada de verdade, Teixeira já teria seus dias como presidente sendo contados ou já teria pedido demissão por ter perdido a credibilidade junto aos acionistas.

Mas na CBF, o processo de desgaste de Teixeira não serve como garantia de que ele está morto. O país já se cansou de ver cartola reclamando da CBF, dizendo que vai fazer e acontecer para, no final, acabar abraçado novamente a seu atual presidente. Fica então a dúvida: Ricardo Teixeira tem o apoio de seus pares ou ele se mantém porque não existem, apesar de a CBF ser uma entidade privada, mecanismos que o obriguem a entregar o cargo?

Essas questões relativas à representação, ao padrão de gestão e ao controle externo das entidades esportivas são da maior relevância, À solução a ser encontrada para resolver o impasse na CBF servirá de referência para definir as bases de uma nova organização do futebol. No momento dois movimentos importantes acontecem em paralelo: a CPI do Senado que deverá trazer sugestões legislativas para uma reestruturação do esporte no Brasil e a formação da Liga dos clubes de futebol.

Se a Liga nascer mantendo as lacunas no controle da gestão, e a falta de transparência comum às outras entidades representativas do esporte no país, pouco avanço teremos.

Entidades para administrar o futebol, e o esporte, são coisas que não faltam no Brasil. O problema é que, historicamente, elas nascem não para transformar estruturas envelhecidas, mas apenas para servirem de instrumento de briga de poder. Pura dança das cadeiras. Espero sinceramente que a Liga não seja apenas mais uma associação nesta briga de poder do futebol. Afinal, para fazer isso já temos o Clube dos Treze, que além de representar os interesses dos times mais fortes do país, surgiu apenas para manter as coisas exatamente como elas estão.


* Elena Landau é economista e botafoguense

Leia no site do arquivo da Biblioteca Nacional
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