Questão de sobrevivência
Clubes têm os mesmos problemas de pequenas empresas: acesso limitado ao mercado de capitais e possibilidade reduzida de endividamento
Elena Landau*, Site no.com.br
28 de setembro de 2001
O Jornal do Brasil noticiou, na semana passada, que o Flamengo vai colocar seu time em liquidação. Por conta de suas dificuldades financeiras, o clube carioca decidiu fazer caixa, vendendo, com desconto, atletas comprados em passado muito recente. Não é uma situação isolada. Mas chama atenção por ser Flamengo, time de maior torcida do país, que fechou
parceria antes dos outros, é tricampeão carioca e campeão da Copa dos Campeões. O clube. portanto, tinha todos o ingredientes necessários para fazer um belo bolo. Não conseguiu assar nem uma rosquinha.
E os outros times de futebol que não possuem tais ingredientes, como estão sobrevivendo? Mal. Em geral, adiam ou não pagam impostos e encargos trabalhistas, atrasam os salários, fazem qualquer tipo de ginástica para sobreviver.
Quando a Lei Pelé foi promulgada em 1998, cheguei a acreditar que houvesse uma possibilidade do Brasil seguir os passos do futebol inglês. Lá os clubes transformaram-se em empresas de capital aberto com ações transacionadas em Bolsa. As vantagens desse modelo são muitas. À começar pela capacidade que ela dá aos times de levantarem capital através da venda de suas ações ao grande público. A transparência é quase que um subproduto desse modelo.
Seria impossível um clube atrair investidores privados. competindo com outras opções de investimento, sem uma contabilidade à prova de cartolas e uma administração profissional. Contratações são anunciadas da mesma forma que uma empresa anuncia a aquisição de um novo ativo: quanto custa, como será financiada e qual impacto esperado na projeção de
lucros. Relatórios anuais são divulgados e permitem que um analista do mercado de capitais avalie a qualidade do investimento, recomendando ou não a compra de suas ações.
É também um modelo com um grau de risco eleva. do, Além da dificuldade de prever resultados de partidas, os clubes podem sofrer um impacto negativo sobre suas ações sem que seus times tenham sofrido nenhum revés. Uma vez na bolsa, como qualquer empresa que lá esteja, clubes de futebol ficam mais vulneráveis, tanto para o bem como para o mal, aos ventos que sopram na economia mundial
O exemplo mais pungente desse modelo é o Manchester United, que abriu seu capital no início dos anos 90. Até meados de 2000 o preço de suas ações subiu substancialmente. No entanto, nos últimos 18 meses seu preço despencou. A história esportiva e financeira por trás do desempenho das ações está no site www.manutd.com. É coisa de gente grande. Nele, é possível passear pelas dependências do estádio, fazer apostas, acompanhar os campeonatos, relembrar os feitos do clube e de seus craques.
Pode-se também acessar o relatório anual auditado, acompanhado de uma explicação do seu presidente executivo sobre cada um de seus itens, que investimentos foram e serão realizados, que patrocinadores foram agregados e em que termos. Percebe-se que o sucesso do Manchester não decorre apenas do seu desempenho em campo, ainda que este tenha sido excepcional. Mais que um time de futebol, ele é hoje uma empresa de entretenimento que vende produtos de futebol.
No Brasil, onde o mercado é muito concentrado, dificilmente poderíamos ter adotado esse modelo. Esta opção também foi totalmente inviabilizada na atual versão da Lei Pelé ao impedir que alguém detenha uma ação sequer de mais de uma agremiação esportiva, o que nada tem a ver com o que diz o regulamento da Fifa. É como se o investidor não pudesse comprar ações da Telemar e Telefônica ao mesmo tempo. Parece que os cartolas ficaram com medo de ter que dar satisfação para acionista minoritário, Torcedor é fácil de enrolar mas investidor já fica mais complicado.
Na realidade, apesar da história de sucesso do Manchester, não existe um modelo ideal, uma única opção. O Barcelona é frequentemente apontado como exemplo de um modelo de um clube totalmente financiado por seus torcedores. Quem já foi conhecer de perto o Estádio do Barça, percebe que também ele é muito mais que um time de futebol. As filas para a visita do museu do futebol e do estádio são maiores do que para a visita de qualquer monumento do Gaudi.
Os clubes de futebol enfrentam os mesmos problemas das pequenas empresas. Acesso limitado ao mercado de capitais e possibilidade reduzida de endividamento. No Brasil a situação é muito mais grave e os clubes precisam começar a resolver seus problemas de dentro para fora. Ainda bem que a ideia de partir para utilizar dinheiro público morreu. O negócio é parar de empurrar com a barriga e ajustar seu fluxo de despesas, incluídas suas obrigações fiscais e trabalhistas, ao seu fluxo de receitas. Fazer contratações e pagar salários compatíveis com o que podem arrecadar. Na realidade eles já começam devendo, ou melhor, pegam adiantado o dinheiro da televisão não para fazer investimentos significativos, mas apenas para tentar manter as contas em dia.
Qualquer que seja o modelo, a experiência do Flamengo, e pelo seu lado positivo, a do Fluminense, mostram que não há mágica, Só sobreviverá quem fizer uma gestão profissional e transparente.
* Elena Landau é economista e botafoguense