Sem cheiro de pizza
O relatório do Senador Geraldo Althoff, que começa com uma belíssima e oportuna citação de Nelson Rodrigues, foi além do estilo policialesco que marcou a CPI da Câmara
Elena Landau, Site no.com.br
28 de dezembro de 2001
O relatório do Senador Geraldo Althoff, que começa com uma belíssima e oportuna citação de Nelson Rodrigues, foi além do estilo policialesco que marcou a CPI da Câmara. Ele tem muita coisa que vai acabar na polícia. Mas traz sugestões para realmente mudar o futebol. Ou pelo menos, mudar esse comportamento de casa da mãe Joana que impera nos clubes, nas ligas e na CBF. Se a lei de responsabilidade social para o futebol sugerida pelo senador for aprovada, a administração responsável e profissional das entidades ligadas ao futebol deverá ser a regra, e não mais a exceção.
Até agora toda tentativa de fiscalizar as entidades esportivas esbarrava no famoso artigo 217 da Constituição, que garante a autonomia dos clubes e federações. O Senador Althoff e sua equipe encontraram uma saída inteligente, e que certamente pegou os cartolas de surpresa, para contornar esse problema. A solução para enquadrar os dirigentes está na proposta para regular a atividade comercial do futebol, e não as entidades.
Desse modo, não se mexe na Constituição e nem será preciso pedir a benção da Fifa. As competições de atletas profissionais de futebol se transformariam em ato de comércio. As atividades do clube ou federações ficariam como estão. No entanto, se eles não aderirem a esta nova fórmula sugerida pela CPI do Senado, não poderiam explorar o futebol economicamente. Veriam-se restritos à participação em competições amadoras.
A autonomia prevista na Constituição vem sendo usada em sentido amplo pelos cartolas. Escoram-se nela para não dar satisfações a ninguém, sequer à Receita Federal, ao Banco Central ou à Previdência. Só começaram a se preocupar com pagamento dos salários porque os jogadores passaram a exigir seus direitos e ameaçar os clubes com uma onda de passes livres.
Discretamente, a proposta de nova legislação feita pela CPI enquadra as ligas na mesma exigência, corrigindo o equívoco do recente decreto que regulamentou seu funcionamento. Por ele, as ligas podiam correr soltas. Agora, caso as sugestões sejam aprovadas, quem coordena também deve prestar contas e ser transparente e profissional.
O grande avanço das propostas legislativas da CPI é recuperar o passado, ou seja, retomar o espírito da Lei Pelé original que exigiu que os clubes profissionalizassem suas atividades. Um lobby poderoso, apelando para o romantismo e o saudosismo dos torcedores, conseguiu derrubar essa exigência. Para esses lobistas era melhor ficar com a falência imposta pela irresponsabilidade e amadorismo dos dirigentes. Mas diante da crise que essa atitude irresponsável gerou, a bancada da bola se encolheu.
A nova lei inclui entre os itens capazes de gerar inelegibilidade, os administradores inadimplentes com contribuições previdenciárias. O governo não pediu, nem parece se incomodar com o inadimplemento dos clubes, que são sabidamente os maiores devedores da previdência, mas ganhou de presente essa exigência por iniciativa exclusiva do senador.
A grande dúvida é saber a partir de quando essas exigências passam a valer. Os clubes estão quebrados, salvo honrosas exceções. O noticiário esportivo é dominado pelas brigas entre jogadores e dirigentes por conta de salários atrasados e desrespeito aos contratos de direito de imagem.Se os clubes tiverem que colocar em dia de uma hora para outra todas suas dívidas, não terão de onde tirar o dinheiro.
As receitas estão fixas e vêm basicamente do direito de televisão, que alguns até já receberam antecipadamente. Será preciso pensar em alguma forma de compatibilizar essas diferenças, fazer um período de adaptação, montar alguma comissão de transição para analisar a situação de cada clube. Caso contrário, ou a Lei, se aprovada, já nasceria desmoralizada, o que seria péssimo, ou os clubes terão que colocar seus atletas à disposição em massa.
Na proposta de Althoff, existem alguns excessos – compreensíveis, entretanto, diante da passividade de algumas instituições com os descalabros do futebol. O Ministério Público, por exemplo, tornar-se-ia oficialmente responsável pela fiscalização das sociedades esportivas. É desnecessário. O MP já deveria fazer isso. Não se sabe se o futebol é um bem público, mas é certamente bem de interesse coletivo. Por muito menos do que já foi dito e escrito sobre federações e clubes, o MP agiu com grande rigor em outros setores. Confesso que não consigo entender essa passividade, quando não tolerância, do Ministério Público com as práticas administrativas dos nossos cartolas.
Também é difícil entender a atuação do Ministério dos Esportes, sempre conciliador. Com o que se leu no relatório da CPI do Futebol, fica complicado aceitar a idéia de um acordo com o presidente da CBF. A sugestão de substituir Ricardo Teixeira por Pelé na presidência da entidade também tem suas complicações. Pelé está envolvido numa série de denúncias sobre as atividades de sua empresa PSM. Em sua defesa, ele alega que foi enganado pelos seus sócios.
Como já disse aqui, estamos todos torcendo para o Rei sair dessa, mas de qualquer jeito o seu advogado de defesa informa que foram desviados de sua empresa cerca de 10 milhões de reais em poucos anos. Se por um lado isso ajuda na recuperação de sua credibilidade, por outro não o credencia para a presidência de uma entidade que se pretende profissional. Vamos deixar o Pelé ser apenas o rei do Futebol, o atleta do Século, o que já é coisa à beça.
O melhor que o Executivo pode fazer agora é apoiar as mudanças legislativas propostas pelo Senador, ao invés de querer gerar fatos políticos. Se o governo tivesse cumprido seu papel fiscalizador, não teria sido necessária a sugestão de uma agência reguladora para o futebol.
Brasileirão
Difícil entender a lógica por trás do mata-mata das semi-finais. Não me refiro apenas ao potencial de injustiça que este critério pode gerar. Faria algum sentido o São Caetano não chegar às finais? E foi por pouco. Na prorrogação, numa batida de falta que não existiu, a bola só não entrou porque bateu na cara do goleiro do Azulão.
Penso no desperdício de público que esta opção gerou. Todo mundo veria um segundo jogo. Se o problema é a duração do Brasileirão teria sido pensar um campeonato com menos competidores.
Depois, para acompanhar os jogos era preciso ter várias televisões ligadas ao mesmo tempo. No fim a gente acabava não vendo nenhum direito. Não era melhor dois jogos na quarta e dois na quinta? Mas aí quem iria pagar o pay-per-view, não é mesmo?
* Elena Landau é economista e botafoguense