Tem jeito
Semana passada, boas ideias sobre como recuperar o futebol ficaram perdidas entre propostas estapafúrdias. A pior veio de Sócrates, que propôs boicote à Globo. Santa ingenuidade
Elena Landau*, Site no.com.br
03 de agosto de 2001
O baixo astral futebolístico da semana passada prosseguiu essa semana. À mesma bagunça que se transfigurou num selecionado nacional de desempenho medíocre vicejou nos últimos dias: Eurico Miranda vociferou contra o calendário do Nacional, ameaçou e no fim deixou tudo para lá, pelo menos temporariamente; os cartolas ainda mexiam na tabela 48 horas antes do início da competição; e boa parte dos dirigentes continuava a criticar a diretoria da CBF, coisa que eles mesmos elegeram.
Na seleção, a novidade é Tinga, aquele que não fez nada no Botafogo, mas anda jogando um futebol no Grêmio que mereceu elogios de Tostão. Sei não. Sua convocação tem pinta de querer agradar a torcida de Porto Alegre e tentar mais um salvador da pátria. Ando meio cansada dos heróis potenciais do time brasileiro. Ultimamente, têm ficado só nisso, no potencial.
O baixo astral continua, mas pelo menos a ressaca da derrota hondurenha passou. No meio dela, semana passada, boas ideias sobre como recuperar o futebol brasileiro ficaram perdidas no meio de propostas estapafúrdias. À pior delas veio do Sócrates, o anticandidato à presidência da CBF. Propôs um boicote à Rede Globo. Santa ingenuidade, verdadeiro tiro no pé. O fato de o futebol brasileiro interessar à uma rede de TV como a Globo, ou a patrocinadores com o tamanho de uma Ambev ou uma Nike, é justamente a principal indicação de que ele pode ter jeito.
É verdade que o monopólio da Globo dificulta o poder de barganha dos clubes e aumenta sua interferência no calendário para adequá-lo à sua programação. Não é uma situação ideal. Mas pelo menos, já que nossos cartolas não tem nenhum, é um parâmetro para definição de tabela de jogos. Além do mais, por incompetência própria, os clubes não tem outra fonte de renda tão relevante quanto os direitos comerciais vendidos à Globo, Nesse quadro, propor um rompimento com ela cheira a suicídio.
Na realidade, enfrentar a Globo é uma bobagem. O que a gente precisa é aprender a negociar com ela – e com qualquer outro patrocinador que apareça. Ficar mudando regras e calendário às vésperas do início da mais importante competição do futebol não é um bom indício de que nossos dirigentes estejam aprendendo algo. Numa situação dessas, a Globo dá baile. Até porque só ela parece ter know-how para organizar a confusão.
Aprender a negociar demanda que os cartolas sejam transformados em administradores profissionais. Enfatizo o “sejam transformados” porque há muito perdi qualquer esperança de que os cartolas transformem a si mesmos. Para tanto, o Brasil precisa criar mecanismos para o controle externo das contas dos clubes, ter uma lei de responsabilidade fiscal para os dirigentes do futebol, mudar os critérios de representação das federações e confederações e, o mais importante, respeitar um calendário de eventos esportivos, prevendo multas e punições no caso de seu descumprimento.
Essas ações exigem mudanças legislativas e estatutárias, O artigo 217 da Constituição Federal dá autonomia às entidades esportivas; os estatutos dos clubes e o artigo 28 da nova lei Pelé dificultam a profissionalização das diretorias. Já perdemos inúmeras oportunidades de organizar e implementar essas modificações – por exemplo, na discussão da medida provisória que descaracterizou a lei Pelé e na CPI da Câmara, Agora, tem-se nova oportunidade com a CPI do futebol no Senado.
De qualquer forma, a iniciativa deveria partir do governo. Foi preciso a ameaça de um apagão para que a Câmara de Gestão de Energia (CGE ) fosse criada e, em pouco tempo, começasse a enfrentar alguns problemas regulatórios que se arrastam há anos, impedindo investimentos no setor. O apagão do futebol está aí. Está na hora de se criar uma CGF – Câmara de Gestão de Futebol. FHC precisa entender que a decadência do nosso futebol e uma possível (Deus me livre) não classificação para a Copa do Mundo, aborrece, deprime e tira votos tanto quanto o racionamento.
O ministro dos Esportes, Carlos Melles, ligou para reclamar da irrelevância que, na minha opinião, cerca sua Pasta. Expliquei que não vejo sentido em ter uma estrutura de esportes fora do Ministério da Educação. Disse que sua administração está prioritariamente preocupada em trazer de volta a educação física às escolas do país. Afirmou ainda que sua ausência do noticiário em torno do desastre que virou nosso futebol é sintoma não de inoperância do ministério, mas da complexidade e gravidade que a situação assumiu. Pareceu bem informado sobre as confusões da CBF e sobre o papel regulador que o governo pode ter no futebol.
Aliás, por falar em CBF, auspiciosa a entrevista de Carlos Augusto Montenegro a “O Globo”. A CBF finalmente terá jeito se Montenegro levar para lá sua experiência em General Severiano, onde implantou transparência, modernização administrativa e desprendimento em relação ao poder. Nós, botafoguenses, ficamos esperançosos com a decisão do Montenegro de se candidatar à CBF. Quem sabe ela libera de vez nosso clube para uma revolução política.
* Elena Landau é economista e botafoguense